Mais
Perto do Fim
Descrita por Ricardo Costa.
Baseada no jogo mestrado por Ivan Lira.
Personagens principais da aventura:
Os
Humanos: Magnus de Helm [Marckarius Millithor]; Sigel
O'Blound (Limiekki) [Dariel Millithor]. Os Elfos: Mikhail
Velian [Narcélia Millithor]; Kariel Elkandor [Karelist
Millithor]. O Halfling: Bingo Playamundo [Quertus Millithor].
Participação Especial: Storm
Mão Argêntea [Ki'Willis Millithor].
Mais
Perto do Fim
O
Anel Salvador
Arthos
estava paralisado pelo encanto da sacerdotisa drow e três
soldados inimigos vinham de encontro à ele, com espadas em
punho. O espadachim da Comitiva preparava seu espírito para
a dor dos golpes, quando sentiu uma energia percorrer seu
corpo. Os guerreiros da Casa Dvaer atacaram e o atingiram
três vezes. As lâminas teriam cortado fundo no corpo do aventureiro,
se não fosse um encanto liberado pelo invisível Kariel, segundos
antes do ataque. A pele de Arthos adquiriu uma resistência
extra, tornando-se mais densa e rígida. Era o efeito da magia
contida no anel que Storm Mão Argêntea havia entregado ao
mago, e que acabava de ser liberada, para a sorte de Arthos.
Aproveitou
o espadachim para concentrar-se e tentar, com sua força de
vontade, sobrepujar a magia divina que o prendia. Cerrou os
olhos, pensando firmemente em libertar-se. O esforço surtiu
resultado e seus movimentos retornaram. Sua primeira atitude
foi sacar a Lâmina das Rosas, o seu sabre encantado. Recebeu
novamente ataques inimigos que, novamente, não possuíram a
força necessária para perfurar sua pele sob o encanto protetor.
Porém, diferente da primeira vez que havia sido atacado, pôde,
desta vez, revidar. Concentrou seus golpes em um dos guerreiros.
Foram três movimentos rápidos: o primeiro foi defendido pela
lâmina do oponente, mas a defesa exigiu que o adversário erguesse
também a sua arma, deixando a guarda aberta para outros dois
golpes, que acertaram em cheio o peito e o pescoço do drow,
que tombou em um grito.
Arthos
ouviu outro dos adversários gritar e, em seguida, o amigo
Kariel surgiu próximo a ele, com sua espada nas mãos. O mago,
que também sabia como manejar uma arma, havia acertado um
dos guerreiros e, ao invés de sua magia, usou Goliath, sua
espada élfica de família. A sacerdotisa, que observava ao
fundo, decidiu agir. Com uma nova prece ao seu deus sombrio,
lançou sobre Arthos outro encanto. Desta vez, o guerreiro
sentiu uma dor lancinante, como seu corpo repentinamente tivesse
sido cortado por dentro. O momento agudo de dor passou, mas
o Arthos sentia que havia sido ferido. A sacerdotisa não poderia
ficar livre dos combates, ou mais destes sortilégios malignos
seriam conjurados, foi o que pensou o espadachim da Comitiva
da Fé, quando deixou o soldado que combatia, correndo em direção
da drow.
“Companheiros.
Eu e Torrellan estamos em combate! Venham em nosso auxílio!”,
pediu Kariel. A voz do mago ecoou nas mentes dos companheiros
distantes, graças ao efeito do encanto de comunicação que
havia conjurado minutos atrás, e estes deixaram as explorações
que faziam para unirem-se a dupla que lutava.
Enquanto
os colegas chegavam, Arthos tentava golpear a sacerdotisa,
que se esquivava. Ao mesmo tempo, o espadachim agilmente virava-se
para combater o soldado ao qual havia dado as costas. Kariel
havia acabado de derrotar o seu adversário, e postou-se para
auxiliar o amigo cercado. Sua intervenção forneceu à Arthos
a distração suficiente para que este acertasse um golpe preciso,
eliminando o guerreiro Aercelt. Só restava agora a sacerdotisa.
A fêmea, com muita pressa, tentou conjurar um derradeiro encanto,
mas Arthos apontou-lhe a ponta do sabre para o pescoço.
“Na-na-não...”,
disse, balançando negativamente o dedo indicador da mão esquerda
e exibindo um sorriso zombeteiro. A drow então cessou seus
gestos, resignando-se a derrota. Neste momento chegaram os
outros, sala adentro.
“Vocês
têm uma corda?”, pediu Arthos. Non o atendeu, com uma corda
branca, feita de leve e resistente seda, produzida por uma
espécie particular de aranha, e o ajudou a amarrar a clériga.
“Diga
o que queremos ou morrerá!”, disse Mikhail para a prisioneira.
“Onde
está o portal?”, perguntou Arthos, o que soou um tanto estranho
para os ouvidos de Non, que não sabia que este era o objetivo
principal dos forasteiros naquele lugar. Porém o drow não
fez perguntas e guardou suas dúvidas para um momento mais
oportuno.
“Não
sei de portal algum!”, respondeu a drow, destilando ódio em
seus olhos vermelhos.
“E
o que há atrás desta porta?”, perguntou Bingo, mostrando uma
porta na sala, que Kariel e Arthos não haviam notado no calor
da batalha.
“É
uma biblioteca. Vão... devem estar aqui para saquear, aproveitando-se
da guerra. Roubem o que quiserem, mas deixem-me ir.”, pediu
a cativa.
“E
os aposentos de seu líder?”, questionou Magnus.
“Nos
últimos níveis, mas não viverão o suficiente para explorá-los.”
Limiekki,
em resposta à ousadia da inimiga, aplicou-lhe um soco, fazendo-a
cair no chão. A atitude, demasiada violenta para a forma de
agir da Comitiva, na verdade foi o artifício do mateiro para
manter seu disfarce de drow. Non já estava suficientemente
desconfiado da benevolência destes estranhos drows estrangeiros,
assim como o mistério envolvendo suas motivações e a própria
presença deles na cidade de Maerymidra.
Os
exploradores iam na direção da porta da suposta biblioteca,
quando ouviram a sacerdotisa murmurar algo e começar a flutuar.
Ela ainda possuía um último artifício e queria fugir. Seu
intento foi impedido pelas flechas de Bingo e pelos virotes
de bestas de Non, que derrubaram-na do ar. Mikhail examinou
a sacerdotisa e ela estava morta. O clérigo encontrou no corpo
da mulher um frasco contendo um líquido avermelhado, provavelmente
uma poção. Tomou a pequena garrafa e a guardou consigo.
Finalmente,
concentraram-se na próxima entrada. Arthos abriu vagarosamente
a porta, que estava destrancada, e olhou por uma fresta. Era
uma sala em cujas paredes havia prateleiras de pedra negra,
repleta de livros. Havia duas mesas, com alguns tomos abertos
sobre elas A drow não havia mentido: era uma biblioteca e
estava aparentemente vazia. Arthos entrou e, em seguida, seus
companheiros. Da biblioteca, partiam algumas portas, mas o
que mais lhes chamou a atenção foi a descoberta da escada
para o andar superior, o quarto nível. Kariel pediu que se
usassem as mesas para montar uma barricada à frente das portas,
sugestão levada a cabo por Limiekki e Magnus que, mesmo com
a força que tinham, encontraram alguma dificuldade em mover
os pesados móveis, travando duas das novas portas que lá havia.
Decidiram subir as escadas. Arthos foi à frente.
O
Quarto Nível
- Aranhas -
Os
degraus davam acesso a um pequeno e estreito corredor, de
onde partiam duas portas, localizadas na parede direita. Como
não existiam inimigos, os invasores preencheram o cômodo.
“Trancadas!
As duas portas estão trancadas!”, concluiu Arthos após um
rápido exame nos puxadores de bronze.
“Deixa comigo!”, disse Bingo, aproximando-se da primeira porta,
com seu pequeno estojo de veludo, contendo ferramentas de
arrombador.
De repente, ouviu-se
o costumeiro ‘clique’ da fechadura sendo destravada. O pequeno
na aparência de drow tentou empurrar a porta, mas ela não
abria.
“Parece
que tem algo atrás, prendendo a porta. Ela não quer abrir!”
“Deixe-me fazer minha tentativa agora!”, disse Magnus, cuja
força era admirável.
O
guerreiro arremeteu com força sobre a porta de uma madeira
negra e estranha, mas bastante dura e resistente. Mesmo com
sua força, não conseguiu abrir. No momento em que faria uma
nova tentativa, a outra porta se abriu e seis soldados inimigos
saíram de arcos nas mãos, prontos para atacar.
Arthos
e Limiekki agiram rápido. Correram em direção aos adversários,
durante os poucos segundos em que estes retesavam as cordas
para disparar, e os golpearam com suas lâminas. A ação dos
dois foi tão rápida, que, em verdade, somente dois dos arqueiros
conseguiram efetuar seus disparos: uma flecha que passou zunindo
por sobre a cabeça do afortunado Bingo, indo se estatelar
na parede e outra que passou de raspão e rasgou o couro da
roupa de Limiekki, tirando um pouco de sangue do seu braço.
Após este momento inicial, Magnus, também se aproximou para
combater. Como o corredor era bastante estreito, os demais
não tinham muito que fazer, a não ser observar. Os soldados
da Casa Aercelt não haviam conseguido livrarem-se dos arcos
e sacarem suas espadas rapidamente, o que permitiu que o espadachim
e o mateiro da Comitiva fizessem grandes estragos e derrubassem
logo dois inimigos ao solo. Um batalhava com Magnus, porém
o drow enfrentava um oponente muito poderoso, bem além de
suas capacidades de mero soldado. Ainda defendeu-se e arriscou
alguns golpes com sua espada longa, mas Magnus o decapitou,
com um golpe tão poderoso quanto preciso. O paladino, imediatamente,
voltou-se para outro oponente. Havia três soldados inimigos
vivos e Limiekki, Arthos e Magnus os combatiam. Trocaram alguns
golpes, mas a superioridade dos três guerreiros da Comitiva
fez a batalha terminar com brevidade.
Após
rápidos segundos, quando respiraram fundo e recuperaram o
fôlego, concentraram-se na passagem de onde haviam saído os
drows. A porta de madeira negra e ferragens de bronze esverdeado
estava trancada e Bingo tentava abri-la, enfiando pelo buraco
da fechadura suas pequenas ferramentas. O pequeno conseguiu
e afastou a folha de madeira vagarosamente, colocando a cabeça
pela fresta, para dar uma espiada no que havia lá dentro.
Duas flechas zumbiram e atingiram a porta, bem perto de seus
olhos, o que fez Bingo fechar imediatamente o cômodo, assustado.
“O
que foi, Quertus?”, perguntou Arthos.
“Quase que tomo duas flechadas na cabeça!”, respondeu arfando
o halfling em pele de drow.
“Viu alguma coisa?”, quis saber Magnus.
“Bem... a sala estava pouco iluminada, mas vi muitas sombras.
Parecia haver muitos inimigos protegidos atrás de móveis ou
barricadas... estão esperando pra atacar quem passar por esta
porta!”
“Acho
que devemos aumentar nosso poder de fogo!”, disse Arthos,
olhando para Kariel com um pequeno sorriso. O mago já sabia
o que o amigo queria sugerir e respondeu.
“Entrarei invisível e conjurarei um encanto. Isto deve enfraquecer
os soldados Em seguida vocês devem entrar para combatê-los”,
colocou o mago, em um plano.
Kariel
tocou o seu elmo e desapareceu. Abriu uma fresta na porta
e uma nova saraivada de flechas foi disparada. Aguardou os
disparos cessarem e adentrou o mais silenciosamente possível.
Era uma sala quadrada, quase que totalmente escura, se não
fosse uma tocha solitária e fraca chama púrpura presa à parede
esquerda. Observou as silhuetas dos inimigos ocultos atrás
de obstáculos e móveis na parede oposta, muitos deles portavam
arcos e aguardavam somente enxergar o corpo de um inimigo
para enchê-lo de flechas. O arcano da Comitiva então se concentrou
e lançou um feitiço, conjurado sem palavras ou gestos, graças
à uma dádiva da deusa Mystra. Em um instante, partiu das suas
uma esfera flamejante, que voou no espaço da sala, indo explodir
em meio às barricadas dos drows, fazendo os obstáculos de
madeira incendiarem e gritos preencherem o ar. Kariel estava
novamente visível e seus companheiros começavam a entrar pela
sala.
O
primeiro foi Arthos. O espadachim correu em direção do local
onde Kariel havia arremessado a esfera de chamas. Haviam alguns
guerreiros feridos, tentando se recompor e um sacerdote, que
começava a invocar uma prece. Arthos o interrompeu, desferindo
três golpes rápidos e perfeitos: atingiu-lhe os flancos e
por final perfurou o peito do clérigo, que caiu morto. Sua
audácia lhe custou duas flechas vindas das barricadas feitas
com mesas, armários e pedras, que acertaram seu corpo. Mas,
como estava protegido ainda pelo encanto liberado pelo anel
fornecido por Storm Mão Argentea, os projéteis o atingiram
sem perfurá-lo, caindo no chão inofensivamente. Um drow, com
trajes de guerreiro, rosto oculto por um capuz e portando
uma espada de duas mãos partiu em direção ao aventureiro da
Comitiva. Acertou-lhe um golpe tão forte que, mesmo com a
proteção arcana que agia sobre Arthos, promoveu um corte na
altura do braço. Outro guerreiro próximo tentou atingi-lo,
mas sem sucesso.
Limiekki
entrou logo após Arthos, e deslocou-se para combater um grupo
de três drows. Um deles vestia também roupas de sacerdote.
Enquanto o mateiro trocava golpes com dois soldados armados
com sabres e cotas de malha, o clérigo de Vhaeraun o tocou
levemente com sua mão, e pronunciou algo. Imediatamente, Limiekki
sentiu todo seu corpo arder e gritou. A dor passou, mas o
fez sentir-se e mais fraco, fazendo-o errar seus golpes.
Após
os confrontos iniciais de Arthos e Limiekki, o conflito generalizou-se
com a entrada do restante dos infiltrados na sala. Agora
se podia ter finalmente uma idéia mais clara da quantidade
de inimigos contra os quais lutavam. Arthos combatia dois
drows guerreiros. Limiekki enfrentava um sacerdote e dois
soldados, e Magnus e Non batalhavam, cada um, contra um guerreiro
da Casa Aercelt. No chão, havia três cadáveres de inimigos,
um abatido por Arthos e dois vítimas do feitiço letal conjurado
momentos antes. Entretanto, podia haver outros ocultos nas
sombras que havia naquela sala.
No
cenário do combate, Mikhail e Kariel resolveram aguardar e
interferir se achassem necessário, enquanto Bingo ficou com
seu arco em punho, mas com o combate franco que se desenrolava,
sabia que teria poucas oportunidades de atacar sem o risco
de atingir um de seus aliados.
O
drow que Magnus combatia não era tão amador quanto o que havia
vencido momentos atrás. Além de defender diversos golpes de
Hadryllis, a espada do paladino, encaixou alguns ataques de
sucesso que esbarraram na armadura do guerreiro, o que não
o impediu de sentir a dor do impacto. Magnus tentou um revide
imediato, mas o esquivo adversário fez com que o golpe poderoso
passasse no vazio. O inimigo tentou um golpe lateral e alto,
visivelmente tentando decapitar o guerreiro da Comitiva, mas
este provou que, apesar de seu tamanho e o peso de sua armadura,
podia ser ágil. Agachou-se e, ao levantar, perfurou o drow
com a sua lâmina sagrada, derrubando-o ao solo.
Non
travava um combate equilibrado. Evitava os golpes do inimigo
com sua agilidade, ora dobrando seu corpo, ora recuando. Também
tentou tomar a ofensiva, mas encontrou um inimigo tão esquivo
quanto ele, e talvez mais preparado. O soldado da casa Aercelt
perfurou-lhe o ombro esquerdo com a ponta de sua espada. Fosse
a estocada centímetros mais baixo, talvez o drow aliado da
Comitiva estivesse morto. Non assustou-se com a resistência
e decidiu ser mais agressivo. Avançou sobre seu adversário,
com diversos golpes, rápidos e fortes, fazendo recuar alguns
passos. Em seguida, propositalmente, deixou o flanco esquerdo
desprotegido, pensando em um truque. O inimigo, no afã de
acertar o invasor, tentou o coração de Non, que se esquivou
e aproveitou os segundos em que a guarda do adversário estava
aberta, cortando-lhe no pescoço, em um golpe fatal.
Mikhail
e Kariel, que até então observavam, resolveram agir, de maneiras
diferentes. O clérigo de Mystra aproveitou-se que Non batalhava
e aproximou-se de Bingo. Rezou para sua deusa e tocou o corpo
do pequeno que estava próximo. Bingo sentiu suas feridas e
arranhões se fecharem milagrosamente. Kariel avaliou que seria
melhor poupar seus encantos para adversários mais valorosos
e sacou sua espada encantada. Aproximou-se de Limiekki, equilibrando
um pouco mais a desvantagem do mateiro.
Limiekki,
que lutava agora ao lado de Kariel, não estava com sorte.
Errava muitas das suas investidas e o sacerdote que o combatia
acabava de curar, com uma prece, os ferimentos de um dos guerreiros
inimigos. Kariel também enfrentava problemas. O outro soldado
deslocou-se rapidamente em um salto, e atingiu o mago nas
costas com a espada longa. O ferimento poderia ser profundo
e grave, se também não tivesse o mago protegido pelo mesmo
tipo de magia que agia sobre Arthos. Porém a dupla reagiu
aos reveses. Limiekki concentrou seus ataques no sacerdote,
a fim de evitar que o mesmo curasse novamente seus aliados,
ou lançasse algum encanto perverso. O mateiro, com golpes
rápidos de faca e do machado que empunhava, rasgou o couro
rígido da roupa do clérigo de Vhaeraun, na altura do ventre.
O inimigo olhou para seu carrasco pela última vez, e caiu
morto. Já Kariel voltou-se rapidamente para trás e atacou
seu traiçoeiro adversário. O mago defendeu-se de novas investidas
com sucesso e conseguiu atingir o guerreiro, que já se encontrava
combalido por ferimentos feitos pelo fogo mágico, poucos minutos
atrás, matando-o. Contra os dois agora só havia um drow que,
ao invés de intimidar-se, partiu para o ataque. Tentou atingir
Kariel, mas antes que isto ocorresse, Limiekki encravou a
lamina do seu machado nas costas do adversário, encerrando
aquele combate.
Agora,
somente Arthos combatia. Já havia derrubado um dos guerreiros
e só havia um em sua frente, um que mostrava-se mais habilidoso
do que os demais. O espadachim foi acertado algumas vezes,
o que fez sua proteção mística fatigar e desaparecer. O paladino
Magnus chegou para ajudar o amigo, mas quando viu a atenção
em que os dois se olhavam, percebeu imediatamente que não
se tratava mais de um simples combate, mas de um duelo. Afastou-se
e pediu que os colegas esperassem o final da luta.
“Qual
é o seu nome?”, perguntou o guerreiro da Casa Aercelt.
“Torrellan Millithor!”, respondeu Arthos, usando o seu nome
falso.
“Você é bom e seu estilo é bem diverso! Meu nome é Theryon
Aercelt. Será desafiador derrotá-lo!”
Dito
isto, o guerreiro avançou para Arthos com sua enorme espada,
tentando dois golpes. Um, dado de cima para baixo, foi defendido
por Arthos, que colocou o aço de seu sabre horizontalmente,
protegendo o peito. O outro, uma violenta investida visando
o flanco esquerdo, foi esquivada com um salto para trás do
espadachim. Arthos então contra atacou, saltando mais uma
vez, agora para frente, com o sabre em riste. Seu primeiro
golpe foi defendido pela larga lâmina do adversário. O segundo
cortou-lhe a mão esquerda, em um talho profundo. O terceiro
foi uma estocada, no abdômen do adversário, que caiu ao solo,
agonizando.
Arthos
agachou-se e tomou a bela espada, derrubada ao chão, do inimigo
que ainda se mexia, contorcendo-se de dor.
“Torrelan...”,
disse Kariel, “... esta espada emana magia e pode ser perniciosa!”
O
espadachim ergueu-se do chão e, após olhar alguns segundos
para a arma e para seu inimigo, desferiu um golpe de misericórdia,
cravando a lâmina no corpo do infeliz drow Aercelt.
Terminado
o combate, as atenções dos aventureiros voltaram-se para aquela
sala. Haviam duas portas para outros cômodos, na parede oposta
à entrada. Bingo aproximou-se de uma delas e, constatando
que estava trancada, mais uma vez, enfiou as pequenas ferramentas
no buraco da fechadura. A porta abriu-se, revelando-se um
quarto, que estava bastante revirado. Provavelmente, havia
sido daqui que os móveis que estavam nas barricadas foram
retirados. Como nada de interessante foi encontrado, a outra
porta foi sondada. Bingo também a abriu. Era outro dormitório,
de condições parecidas como o último, porém este possuía uma
porta dupla de saída, na parede esquerda.
“Este
lugar tem tantas passagens que mais parece um labirinto!”,
exclamou Limiekki, enquanto coçava a cabeça.
“Lembrem-se: estamos no quarto andar e a partir daqui temos
que verificar os cômodos com cuidado. O que procuramos pode
estar em qualquer lugar!”, falou Kariel, pensando no portal
mágico que buscavam.
Bingo
abriu a porta no fundo do quarto e em instantes estavam todos
em um outro corredor estreito. Na parede onde estava a porta
de onde acabaram de passar, havia outra à esquerda. Uma porta
de folha dupla na parede à frente e outra na parede direita.
“E
agora? Mais três portas!”, disse Bingo.
“Podíamos nos dividir!”, sugeriu Arthos.
“Uma divisão nos tornaria mais fracos!’, opinou Magnus.
“Por enquanto, acho melhor estarmos juntos”, completou Mikhail
“Bem. Então vamos escolher uma porta... humm... a da direita!”,
disse Bingo, já se movimentando para a porta de folha dupla
de madeira negra e bronze esverdeado.
Quando
Bingo avisou que a porta estava aberta, Kariel pediu para
ser o primeiro a entrar. O mago usaria mais uma vez seu elmo
da invisibilidade para explorar o aposento antes de seus amigos.
Abriu a porta devagar e entrou. Era uma sala de tamanho médio,
sem móveis ou pessoas, com um poço circular que emanava uma
luz amarela, da mesma maneira do que havia visto no primeiro
andar. Era mais um levitador mágico. Havia uma porta ao fundo
da sala. Pela dimensão do cômodo e o posicionamento da porta,
o arcano achou que provavelmente seria a sala que tentavam
abrir quando chegaram ao andar onde estavam e foram interrompidos
pelos drows arqueiros. Kariel então retornou aos companheiros
que aguardavam o resultado da exploração.
“Existe
um levitador mágico no centro da próxima sala, mas a passagem
para o nível superior está bloqueada por uma grade no teto.
Acho que devemos explorar as portas daqui antes.”
“Então
vamos logo...”, disse o impaciente Bingo, movendo-se para
a outra porta dupla.
Como
as outras, a tranca se abriu. E foi Arthos que puxou uma das
folhas da porta cautelosamente. Da fresta, saíram aranhas,
muitas aranhas. Bingo teve que se segurar para não dar um
pulo de susto e voltar agir como um drow crente a Lolth, a
Rainha Aranha.
“Aranhas!”,
exclamou Arthos, abrindo completamente a porta.
“Centenas... milhares de aranhas!”, completou Limiekki.
O
chão da sala escura estava preenchido com aranhas de todos
os tipos e tamanhos, desde pequenas como um grão de arroz
a outras do tamanho de um cão. Havia uma porta do outro lado.
“Os
seguidores de Vhaerun devem ter capturado estas aranhas para
nos chantagear ou nos aviltar!”, disse Non, indignado.
“E a porta? Como fazemos para chegar até lá?”, perguntou Bingo.
“Se formos, poderemos pisar por acidente em alguma destas
aranhas!”, colocou Kariel, que havia lido em um dos livros
dos Millithor que a pena dos adoradores de Lolth para quem
matasse uma aranha era a nada menos do que a morte.
“Podemos deixar a porta aberta, até que todas as aranhas saiam!”,
sugeriu Mikhail.
“Não podemos fazer isto. Se elas se espalharem pelo castelo,
podem ser mortas pelos Aercelt!”, respondeu Non.
“Então vamos deixá-las aí, por enquanto. Quando
o perigo terminar, as libertaremos! Ainda há uma porta para
verificarmos!”, colocou, prático, Magnus.
Os
aventureiros concordaram, apesar da maioria, secretamente,
preferir pisar naquelas criaturas e seguir adiante, e fecharam
a porta dupla. Foram até a última porta que restava para ser
aberta e esta não estava trancada. Assim que empurraram a
folha de madeira, vislumbraram uma nova escada, rumo ao quinto
piso do castelo. Subiram o lance de degraus estreitos e encontraram
um patamar que deixou os exploradores de frente a uma nova
porta, que iniciava o próximo andar do Castelo Maerymidra.
Quinto
nível
- Batalhas, Portas e Crianças -
A
porta foi aberta. A passagem mostrava a parede de uma passagem
em forma de 'U' que se dobrava para uma nova sala. Kariel,
que já era o batedor usual, estava à frente. Seus ouvidos
élficos captaram ruídos vindo do novo e ainda oculto cômodo.
Um cheiro de comida se espalhava pelo ar.
“Ouvi
passos e grunhidos... parecia um animal, um touro... sim...
era como o ruído dos homens-touro que vimos quando estávamos
na cidade”, descreveu o mago, ainda invisível.
“Minotauros!”, exclamou Arthos.
“Atraia estes monstros para cá, Karelist!”, sugeriu o guerreiro
Magnus. “O espaço após a escada é mais estreito e eles terão
dificuldades devido ao tamanho!”.
O
mago concordou e adentrou a sala. Era uma espécie de refeitório.
Em um fogão, um caldeirão negro fervia. Em duas mesas retangulares,
sentavam-se dois minotauros. Havia prateleiras com frascos
diversos. Kariel aproximou-se mais e pôde ver uma porta na
parede oposta. Atendendo o pedido de Magnus, o arcano da Comitiva
tomou um pote de barro e o arremessou na direção da escada.
Imediatamente, os dois homens-fera deixaram seu jantar e caminharam
para tentar descobrir que barulho tinha sido a aquele.
O
primeiro minotauro, apesar de enorme (devia ter cerca de dois
metros e vinte) e do curto espaço, ao ver o estranho ‘drow’
guerreiro em sua frente, bufou e manuseou seu grande machado,
golpeando o paladino de uma maneira tão violenta, que o desequilibrou,
jogando-o de encontro à parede. Magnus sentiu o pesado ataque,
que atingiu seu flanco esquerdo, mas não chegou a cair. Logo
pôs-se novamente em posição de ataque e, em um movimento debaixo
para cima, abriu o peito do homem-touro com a lâmina de sua
Hadryllis, O monstro caiu moribundo.
O
outro se aproximou, e recebeu golpes violentos e rápidos nos
joelhos, vindo das lâminas ágeis de Limiekki. O mateiro tomou
em retorno um potente empurrão, que quase o fez cair escada
abaixo, por cima dos companheiros que aguardavam o desenlace
do combate sem poder agir. Mas Tymora, a Deusa da sorte e
dos aventureiros, talvez tenha sorrido para Limiekki. Os ferimentos
que causara no monstro foram tão profundos que este caiu para
trás, gritando de dor, impedindo um outro ataque mais mortal.
Magnus eliminou o ruído, com a sua lâmina sagrada.
“Marckarius...
vi que recebeu um ataque forte do monstro... você está bem?”,
disse Kariel, ainda invisível.
“Minha armadura protegeu-me, Karelist. Sinto algumas dores
por debaixo dela, mas nada que me impeça de continuar”, respondeu
o guerreiro.
Mais
uma porta trancada e mais uma tranca aberta pela perícia de
Bingo. Kariel colocou a cabeça para enxergar o novo cômodo.
Era uma sala vazia, com duas portas duplas, uma à esquerda
e outra à frente. No centro, um dos levitadores mágicos, provavelmente
a continuação do que existia no andar inferior. O mago invisível
alertou que não parecia haver perigos, e então os companheiros
entraram. Mikhail, Arthos e Magnus chegaram por último. Haviam
atrasado o passo a pedido de Mikhail, que usou secretamente
uma das suas magias divinas para curar parte dos ferimentos
dos amigos.
“Duas
portas! Assim vamos passar a eternidade neste lugar!”, comentou
Limiekki, impaciente. O mateiro não se sentia muito à vontade
em espaços fechados e a exploração do castelo já começava
a lhe dar nos nervos.
Bingo
se dirigiu à porta dupla oposta e Arthos foi com ele. O pequeno
em forma de drow abriu a porta, enquanto os outros, de prontidão,
aguardavam. Apesar de terem conduzido o arrombamento e aberto
a porta de maneira silenciosa, pela fresta estreita podiam
ver que outros dois minotauros, que estavam na nova sala,
haviam percebido o arrombamento, e corriam com seus imensos
machados para matar os invasores. Puderam ver também um sentinela
drow, que estava parado, de pé, diante de uma porta. Havia
uma outra, mas esta não estava guardada.
“Wow!
Precisamos de ajuda aqui!”, exclamou Bingo, ao ver os dois
imensos oponentes que vinham em sua direção.
Magnus,
um dos que estavam mais próximos, tomou a frente do seu amigo
halfling, bem no instante em que a bestial criatura aproximava-se
com um machado quase do tamanho do próprio Bingo. O paladino
segurou firme o cabo de sua espada e a adrenalina que corria
em seu sangue ao ver o seu pequeno amigo ameaçado fez sua
força crescer ainda mais. Antes que o homem-fera atacasse,
desferiu um golpe tão potente e preciso que cortou fora a
cabeça de touro da criatura. O outro inimigo, ao ver a cena,
hesitou e parou imediatamente.
“Vamos,
besta infernal! Ataque-o!”, ordenava o drow, que permanecia
guardando a porta.
O
monstro ouviu as palavras e olhou para os inimigos. Sua coragem
havia terminado ao ver seu companheiro morrer tão rápido.
Não atacou. Apenas se aproximou do drow que o comandava, com
o machado para baixo, resignando-se.
“Maldito.
Se é covarde para atacar, ajude-me aqui!”, ordenou o sentinela,
que permanecia a frente da porta, de sabre em punho. O minotauro
tomou a sua frente. “Quem são vocês e o que querem?”.
“Onde está Malakar?”, perguntou Magnus.
“Em algum lugar nos níveis superiores. Não precisam vir aqui”,
respondeu o elfo negro, enquanto os aventureiros se posicionavam
ao seu redor.
“O que há atrás desta porta, que defende com tanta prontidão?”,
perguntou Mikhail.
“Apenas um quarto, sem nada de valor para vocês! Continuem...
não precisam passar por aqui!”, disse o guerreiro, com veemência.
“Não sei o que esconde, mas vamos passar assim mesmo!”, disse
Limiekki.
O
mateiro avançou, mas o minotauro que o defendia o atacou com
um golpe de machado, defendido oportunamente pela força e
lâmina de Magnus. O drow da casa Aercelt também investiu contra
os invasores de seu Castelo e tentou ferir Arthos. Um combate
desequilibrado e rápido se desenrolou. O minotauro foi atacado
por Magnus, Mikhail e Non, e o guerreiro inimigo, por Limiekki
e Arthos. Kariel e Bingo, que estavam um pouco mais recuados,
se aproximaram, mas não se engajaram na luta. O minotauro
morreu poucos segundos depois, cortado profundamente pelas
lâminas adversárias. O sentinela teve sua espada arrancada
das mãos, graças a uma primorosa demonstração de habilidade
em esgrima de Arthos. Limiekki ia lançar mão de um golpe mortal,
quando Kariel gritou:
“Não
o mate, Dariel!”
O
guerreiro deteve a mão direita que carregava o machado, enquanto
Magnus aproximou-se do inimigo e usou a força de seus músculos
para imobilizá-lo.
“Vermes!
Filhos de uma deusa vadia e covarde! Morrerão antes de saírem
daqui!”, insultava o drow, agitando-se na vã tentativa de
escapar dos braços poderosos de Magnus.
“Ora... matem-no de uma vez! Veja o que ele está falando!
Blasfemador! Vou dar cabo deste imundo!”, respondeu indignado,
Non, que sacou sua espada e partiu para exterminar o inimigo.
Neste momento, Mikhail e Arthos interfiram, impedindo o drow
de avançar.
“Porque vocês toleram isto? Não consigo compreender!”, continuou
Non.
“Posso extrair informações dele, mas só posso fazê-lo se ele
estiver vivo!”, disse Kariel.
O
mago fitou o sentinela e fechou os olhos por apenas um segundo.
Neste rápido momento, sua mente foi preenchida de pensamentos
e imagens que não eram suas. Percebeu algo que se repetia,
entre as muitas coisas que passavam velozes na cabeça do drow.
“Crianças...
ele pensa em crianças!”, disse Kariel, depois do segundo rápido.
“Crianças? Vamos averiguar!”
Magnus
retirou o guerreiro inimigo, que continuava debatendo-se desesperadamente
e praguejando, da frente da porta. Bingo a destrancou e Mikhail
a abriu vagarosamente. Os aventureiros puderam ver num dormitório
coletivo, várias crianças, meninos e meninas drows, que se
aglomeravam na parede oposta do aposento. Alguns deles choravam.
“Não
executo meus serviços pela metade!”, falou Non, retirando,
de uma bolsa que carregava, um frasco. Ia atirar dentro da
sala, quando Kariel, que estava próximo, agarrou seu braço,
impedindo a ação.
“O quê? O que estão fazendo? Este é o futuro da Casa Aercelt!
Temos que matar a prole do inimigo!”, vociferou Non.
“Não vamos matá-los, nem desperdiçar tempo e armamento com
crianças!”, disse Mikhail.
“Temos um objetivo principal: destruir os líderes da Casa
Aercelt. Devemos deixar questões menores para depois!”, completou
Kariel.
“Vocês
estão agindo de uma maneira muito estranha...”, disse Non,
olhando desconfiado para os aliados e lentamente devolvendo
o frasco para a bolsa. “Espero descobrir o porquê!”
Limiekki
e Magnus resolveram amarrar o guerreiro que guardava a porta
e colocá-lo no quarto, junto com os pequenos drows. Bingo
usou as suas ferramentas, desta vez, para trancar o sentinela
e as crianças no cômodo. Seguiram para a última porta a ser
aberta naquela sala. Ela não estava trancada. Era um quarto,
um aposento luxuoso, com tapeçaria, cama, armários, cabideiros
com roupas penduradas e prateleira com livros, sendo que um
deles encontrava-se aberto em uma mesa circular para estudo.
Kariel aproximou-se e leu algumas linhas do tomo.
“O
livro descreve rituais mágicos. Provavelmente o dono deste
quarto era um aprendiz da Arte!”
“Acho
que você tem razão, Karelist! Descobri uns robes de mago no
guarda-roupa!”, conformou Arthos, que também investigou o
local.
“Acho
que acabamos por aqui. Vamos verificar a porta que deixamos
na sala do levitador! Ainda temos que encontrar a escada”,
colocou Mikhail.
Kariel
antes de deixar o quarto, concentrou-se à procura de algum
objeto que emanasse magia. Percebeu então que uma capa pendurada
emitia uma irradiação mágica. Não queria gastar tempo pesquisando
as propriedades mágicas do objeto, e resolveu guardar a capa
negra de um tecido leve como seda na mochila que levava nas
costas.
Foram
até a sala do levitador e abriram, sem necessidade de arrombamentos,
a porta que restava fechada. Encontraram um estreito corredor.
Do lado esquerdo, existia uma porta, toda ela feita em metal.
Alguns metros à frente, o corredor terminava na procurada
escada. Os exploradores resolveram abrir a porta derradeira
e Bingo mais uma vez aproximou-se. O pequeno era bom na arte
de abrir trancas, mas desta vez encontrou dificuldade. Tentou
uma, duas, três vezes com diversas das pequenas ferramentas,
até que ouviu-se um estalo. Não era bem o estalo que Bingo
queria ouvir.
“Err...
pessoal... desculpe, mas acho que a tranca quebrou! Esta fechadura
é bem forte!”, disse Bingo, desconcertado.
“Deixe-me tentar!”, disse o robusto Magnus.
O
paladino arremessou-se contra a porta três vezes. Na última
das tentativas, contou com a ajuda extra de Limiekki, mas
o metal não cedeu.
“Com
a largura estreita este corredor, não tenho como tomar mais
impulso, ou usar algo como aríete!”, disse o paladino, após
balançar negativamente a cabeça. “Não acredito que consigamos
abri-la a força”.
“Vamos
prosseguir. A escada está logo adiante. Depois retornaremos
para averiguar estar porta”, sugeriu Mikhail. E assim os aventureiros
encaminharam-se para a escada.
Sexto
Nível
- Olhos Observadores -
Após
galgarem os degraus largos da escada, o grupo encontrou uma
ampla ante-sala e nela uma porta bastante larga e alta. O
grupo se posicionou e Bingo abriu a tranca. Kariel, invisível,
adentrou o mais silenciosamente possível.
O
que Kariel viu ao entrar era uma sala enorme, de formato quase
semicircular. Devia ter cerca de trinta metros de largura,
talvez mais. O elfo não soube precisar, pois a luz violeta
que iluminava o lugar e que partia de um lustre no centro
do teto era fraca demais para eliminar todas as sombras. Havia
também uma escada em espiral, próximo de onde o mago estava
e mais alguns cômodos com portas, todos do seu lado esquerdo.
Kariel avançou um pouco mais rumo ao centro do salão. Foi
quando viu duas estranhas silhuetas esféricas. Seu coração
bateu mais forte. Não conseguia ainda ver, mas imaginava o
tipo de criatura que iria encontrar. Os dois seres, que patrulhavam
o lugar, moviam-se silenciosamente. Um deles deslocou-se próximo
o suficiente da luz para clarear-lhe as formas. Era um monstro
esférico flutuante, com um olho enorme e uma bocarra cheia
de dentes pontiagudos. Do seu corpo esverdeado saiam tentáculos
que, em cada extremidade, possuíam um outro olho menor. Parecia
ser um beholder.
Kariel
sabia dos poderes de tais criaturas. Estes beholderes eram
muito menores do que os que já havia combatido, mas nem por
isto deviam ser menos perigosos, era o que prudentemente pensava
o mago. Sozinho, seria presa fácil para os feitiços lançados
pelos olhos dos monstros. Decidiu retornar para comunicar
seus amigos, pisando cautelosamente no chão liso de pedra
negra.
Apesar
do cuidado do mago, o monstro virou-se para a posição onde
estava o invasor e um de seus tentáculos apontou para Kariel.
O arcano da Comitiva da Fé sentiu uma energia percorrer seu
corpo e desaparecer em seguida, com ela, o encanto que o fazia
seu corpo mais resistente a ataques também se foi. Em seguida,
ouviu a criatura murmurar algo para o seu companheiro monstruoso,
em uma língua desconhecida e de som detestável.
As
criaturas se aproximavam e Kariel resolveu tomar uma atitude.
Usou um de seus encantos especiais, que não exigiam gestos,
palavras ou componentes materiais, e fez surgir uma ilusão
no outro lado da sala. Era um grupo barulhento de guerreiros
bárbaros, como os que havia visto no Vale do Vento Gélido,
que exibiam suas armas e gritavam. Os monstros voltaram a
atenção para o truque e dispararam raios e encantos vindo
dos seus olhos contra a imagem. Foi a distração que Kariel
queria para deixar a sala e voltar para o cômodo anterior,
onde estavam seus amigos.
“Karelist?
O que houve? Ouvimos um barulho...”, perguntou Magnus ao ver
a porta se abrir.
“Beholderes! Atrás desta porta há um grande salão e dois beholderes
o patrulham!”, disse o invisível Kariel para seus companheiros,
fechando a porta atrás de si. “São monstros pequenos, têm
cerca de um metro e trinta de largura,... uma espécie bem
menor comparada às que já combati em outras situações. Consegui
uma distração para retornar!”
“Estas
criaturas são perigosas... seus olhos emitem magias e raios
de diversos efeitos!”, falou Arthos, que, em um dia distante,
já havia sido transformado por uma magia em um monstro semelhante.
“Acho que a melhor maneira de enfrentarmos este tipo de inimigo
e nos espalhando e atacando de vários lados. Deve ser um ataque
fulminante”, planejou Magnus.
“Karelist... pode atrair a atenção destas criaturas mais uma
vez, para que não sejamos atacados logo ao entrar?”, perguntou
Arthos.
“Sim...
tenho um encantamento sonoro que pode ajudar a desviar a atenção”,
respondeu Kariel.
“Assim que ouvirmos o barulho, entraremos!”, concluiu Mikhail.
Com
o plano esboçado, Kariel, entrou novamente na sala e caminhou
até as proximidades da escada em espiral que subia, alguns
metros à frente da porta de onde acabara de sair. Os beholderes,
que na verdade eram ghaunts, primos menores dos olhos tiranos,
voltaram-se na direção de Kariel. O mago conjurou outro encanto,
e uma explosão foi ouvida no fundo da sala. Os monstros seguiram
para averiguar. Foi a deixa para os heróis avançarem.
Limiekki
foi quem saiu primeiro da porta. Correu e resolveu subir a
escada em espiral. Retirou com velocidade um arco curto das
costas e disparou contra um dos ghaunts, encravando duas flechas
no corpo esférico. Logo depois, Arthos correu, com o sabre
em punho, em direção do monstro. O espadachim ainda aproveitou-se
da confusão das criaturas e aplicou três golpes rápidos e
eficientes, abrindo uma profunda fenda no gauth que já havia
sido ferido por Limiekki. Magnus, o guerreiro mais poderoso
da Comitiva, avançou com sua Hadryllis, com a intenção de
desferir o golpe que daria cabo daquela criatura, mas o inimigo
foi mais rápido. O gauth, que ainda não havia sido atacado,
atingiu o paladino com um raio que partiu de seu olho central,
o deixando paralisado, tal qual uma estátua. O monstro aproximou-se
e disparou um outro raio, desta vez de um de seus olhos menores,
que ficavam nas pontas dos tentáculos que saíam de sua cabeça-corpo.
Magnus sentiu sua armadura esquentar e sua pele queimar por
alguns segundos. Em seguida o gauth, já assustadoramente
próximo, abriu sua bocarra e mordeu Magnus pelo tronco. Graças
a Helm, sua armadura foi resistente o suficiente para não
ser trespassada, pelo menos desta vez, pelos dentes agudos
do horrendo ser.
O
gauth próximo a Arthos estava a beira da morte e atirava
raios a esmo na direção dos invasores. Um deles acertou Limiekki,
que sentiu seu corpo pesar e o ar faltar, como se tivesse
acabado de correr quilômetros. Outro atingiu Magnus, causando-lhe
mais ferimentos por queimadura e, um outro, tornou Kariel
visível novamente. Non e Bingo entraram na sala, com sua besta
e arco nas mãos. Miraram os inimigos, mas não ousaram um disparo.
Um erro e poderiam acertar seus companheiros.
Mikhail
e Kariel recorreram então aos seus encantamentos. O primeiro
recitou em voz baixa uma prece à deusa Mystra e uma coluna
de chamas surgiu engolfando o monstro que ameaçava Magnus.
O gauth emitiu um grito em meio à torrente de fogo e caiu
ao chão pesadamente, como um fruto maduro demais que despenca
de uma árvore alta. Por sorte, em meio à agitação, Non não
percebeu que foi Mikhail, ou melhor, a sacerdotisa Narcélia,
que havia conjurado o encanto. Pensava ser obra do mago Karelist
e que Narcélia não poderia invocar os poderes divinos da Deusa
Aranha, devido ao seu súbito desaparecimento. Kariel lançou
também sua magia, e fez surgir, a partir de suas mãos, uma
esfera de fogo, que explodiu próximo ao segundo gauth, fazendo-o
cair instantaneamente morto a alguns metros de Arthos.
Os
aventureiros pararam um minuto para respirar. Limiekki e Magnus
ainda estavam sobre o efeito dos encantamentos dos gauths,
mas Kariel tranqüilizou os colegas, dizendo que se esperassem
algum tempo, os dois voltariam ao normal. Entre todos, Magnus
foi quem mais havia se ferido. O paladino apresentava algumas
dolorosas queimaduras embaixo da armadura, além de ferimentos
anteriores. Kariel chamou Non para explorar a porta de uma
das quatro que havia na sala. O chamado tinha também o objetivo
de afastar o drow, deixando Mikhail livre para usar seus poderes
curativos. Bingo também fez a mesma coisa em uma outra porta.
Kariel
e Non abriram a folha de madeira e bronze, que não estava
trancada, e encontraram um pequeno cômodo, de cerca de três
metros quadrados. No centro dele, outro levitador mágico.
Observaram que havia uma abertura circular no teto acima,
desimpedida de grades ou obstáculos. Poderiam usá-la para
alcançar o andar superior, se desejassem. O mago, no entanto,
acho prudente esperar e deixaram o quarto.
Já
Bingo, usando suas técnicas e ferramentas, abriu a porta de
um luxuoso quarto, com belos móveis de madeira negra e tapetes
de seda branca. Haviam algumas vestes decoradas, talvez de
um sacerdote, e uma grande máscara púrpura na parede. Não
havia nada de valor ou diferente o suficiente para atrair
a atenção do halfling, que fechou novamente o cômodo.
A
terceira porta foi aberta por Arthos, que tinha a companhia
de Magnus. O efeito do encanto que paralisava o paladino havia
passado e Mikhail já havia aplicado a cura divina, restaurando-lhe
em grande parte a saúde e curando-lhe as feridas. Os dois
guerreiros encontraram uma sala repleta de armas, escudos
e armaduras.
Limiekki,
que ainda sentia os efeitos do cansaço mágico a que estava
submetido, aproximou-se da última porta não aberta do aposento.
Não teve dificuldades em abri-la, mas nada encontrou, a não
ser pedaços de móveis e outros objetos quebrados.
Mikhail
andou pela grande dimensão do salão. Viu grandes bancos, como
os de um templo, postos de lado e um altar próximo à parede
mais distante da entrada. Havia uma estátua de cerca de um
metro e meio sobre ele. Era a imagem colorida de um drow esguio
e mascarado, com uma expressão de fúria e cabelos pintados
de vermelho, que segurava uma espada curta. Devagar, Non,
Kariel e Limiekki, que haviam terminado suas explorações,
aproximaram-se do clérigo de Mystra.
“Vhaeraun!
Os Aercelt converteram um templo a Lolth ao seu deus maldito!”,
praguejou Non ao ver a figura sobre o altar.
“Vi
alguns pedaços de algo que parecia uma imagem, em um pequeno
depósito que encontrei... devia ser uma imagem de Lolth!”
“Vamos
derrubar este usurpador, que profanou este templo!”, comandou
Mikhail, interpretando seu papel de sacerdotisa de Lolth.
Juntos, os quatro empurraram a imagem, que caiu ao chão, espatifando-se
em muitos pedaços.
“Agora
falta algo... Dariel ... mostre-me o depósito que mencionou.
Non...venha comigo.”, pediu Kariel.
“O
que pensa em fazer, mago!”, questionou o drow da Casa Dvaer.
“Venha
comigo!”, disse Kariel apenas.
Os
três foram até o pequeno cômodo, cheio de entulho. O mago
começou a procurar e a retirar pedaços da estátua de Lolth
e separá-los em um espaço próximo, sob os olhares dos dois
aliados.
“O
que vai fazer com isto?”, questionou Non, já impaciente.
“Recolocá-los
no lugar de direito!”, respondeu Kariel.
“Repor
a imagem de Lolth neste estado seria até uma blasfêmia. Espero
que abandone esta idéia estranha!”, disse o drow, em tom de
desaprovação.
“Espere...”,
respondeu o arcano, que começou a realizar alguns gestos e
articular palavras místicas. Os pedaços se moveram rapidamente,
procurando o melhor encaixe possível e remontaram a estátua
de uma drow de belas formas, sem que nenhuma rachadura ou
mesmo arranhão pudesse ser notado. “Sim... vamos recolocar
Lolth no seu devido lugar!”
“Magnífico,
Karelist!”, exclamou Non, impressionado.
Então
Non, Kariel e Limiekki levaram a estátua de Lolth e a depositaram
em cima do altar de pedra marmórea negra. O drow da Casa Dvaer
sorriu, satisfeito. Kariel também estava. O truque mágico
serviria para reduzir as desconfianças que pairavam na mente
de Non a respeito deles.
Restaurado
o altar à Lolth, os aventureiros reuniram-se, próximo a escada
espiral que subia. Sentaram em um dos largos bancos do templo.
“E
agora. Continuamos?”, perguntou Bingo.
“Preciso
descansar um pouco!”, ainda arfava Limiekki. “Parece que corri
de Forte Zenthil para o Vale das Sombras sem parar! Karelist...
quando é que este encanto vai desaparecer?”
“Pelo
que li a respeito, em cerca de uma hora!”, respondeu o arcano.
“Dariel... preciso pedir-lhe algo”
“Sim?!”
“Emprestei-lhe
minhas braçadeiras encantadas, mas vou precisar delas novamente.
O encanto que me protegia foi dissipado por um daqueles beholders.”
Limiekki
então desamarrou os itens que carregava ao braço e entregou-lhes
ao arcano, agradecendo-lhe.
“Esperaremos
Dariel se recuperar e subiremos em seguida”, colocou Mikhail.
“Preparem
seus espíritos para o combate. Só temos este andar a subir
e o pior certamente nos aguarda!”
Então
os infiltrados esperaram os minutos passarem, muito lentamente,
enquanto olhavam para escada de pedra em espiral e para o
levitador mágico, que poderiam levá-los ao sétimo e último
andar, rumo ao objetivo de sua missão, e, certamente, em direção
a um dos confrontos mais mortais naquela cidade drow de Maerymidra.
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