Um
Plano de Discórdia
Descrita por Ricardo Costa.
Baseada no jogo mestrado por Ivan Lira.
Personagens principais da aventura:
Os
Humanos: Magnus de Helm; Sirius Lusbel; Sigel O'Blound
(Limiekki); Danicus Gaundeford; Klerf Maunader. Os Elfos:
Mikhail Velian; Kariel Elkandor; Arnilan Beldusyr.
O Halfling: Bingo Playamundo. Participação
Especial: Storm Mão Argêntea.
Um
Plano de Discórdia
A
Última Casa de Lolth
Os
seis membros da Comitiva da Fé, na aparência
dos drows da casa Millithor, percorreram as ruas arruinadas
da cidade de Maerimydra, em companhia de um estranho, que
lhes revelou detalhes sobre os acontecimentos que levaram
ao caos e a guerra. Aquele drow também era o único
que poderia levá-los aos últimos devotos sobreviventes
de Lolth. Com eles, os aventureiros esperavam informações
que pudessem fazê-los vislumbrar uma oportunidade para
cumprir sua missão naquele lugar infeliz: destruir
o portal entre o Subterrâneo e a superfície,
evitando assim uma invasão maciça dos drows
aos Reinos.
Caminhavam,
quando Kariel, ou melhor, Karelist, mago da Casa Millithor,
fez uma pergunta ao drow guia.
“Fizemos-lhe várias
questões, mas não sabemos o seu nome.”
“Chamem-me apenas
de Non!”
“Sou Karelist. E
estes são a nossa sacerdotisa Narcélia, Torrellan,
Dariel, Zoreg e Glemoran.”
“Também tenho
uma questão...”, dizia falsa Narcélia,
na verdade, o elfo Mikhail, quando foi interrompido por Non.
“Ouvi algo! Escondam-se!”.
E assim fizeram todos,
deixando a rua e buscando refúgio entre os escombros
das construções que existiam em suas margens.
De início não escutaram nada, mas depois veio
o som de vários passos e grandes silhuetas ao longe,
umas seis. À medida que se aproximaram, puderam ver
corpanzis de mais de dois metros de altura, segurando grandes
machados. Possuíam chifres na cabeça, o que
fez alguns da Comitiva temerem enfrentar demônios. Porém,
quando a distância permitiu detalhes, viram que eram
seis homens-touros, que estavam a executar uma patrulha. Passaram
pelos drows ocultos, sem os perceberem, e continuaram a marchar
rua abaixo.
“Minotauros!”
Exclamou, Arthos.
“Eram escravos,
que agora estão sob o domínio dos gigantes Wudo
e Drull. Temos que ser bastante cuidadosos, pois se formos
descobertos podemos sofrer um ataque em massa! Temos que aproveitar
que os inimigos desconhecem que estamos organizados! Continuemos
atentos!”
Os sete retornaram a rua.
Mikhail lembrou-se de sua pergunta, interrompida pela passagem
dos minotauros, e a fez à Non.
“Algum outro estrangeiro
chegou, além de nós, na cidade?”.
“Não que
eu saiba. Por acaso procuram alguém?”, quis saber
Non.
“Um traidor de nossa
casa, irmão gêmeo de Torrellan. Fugiu enquanto
o combatíamos.”, disse Mikhail, que desejava
saber se existia alguma pista do verdadeiro Torrellan, que
era na verdade, o único e verdadeiro membro vivo da
casa Millithor, e que podia se configurar em grande ameaça
para os planos da Comitiva da Fé.
“Não! Não
vi ninguém novo, além de vocês! Mas, se
é um traidor, pode ter se unido aos Aercelt ou aos
Oorthagus. Ou está morto!”
“Espero que sim!”,
falou Arthos.
Non e a Comitiva deixaram
as ruas e entraram em uma região erma e acidentada
da gigantesca caverna. Após pequenas escaladas, viram
se aproximar uma grande muralha negra. Não havia um
portão, mas uma fenda no muro, para a qual Non os conduziu.
Em seguida, o drow tirou do bolso um pequeno instrumento cilíndrico
e curto de madeira, e o pôs na boca. Soprou, fazendo
soar um trinado fino e agudo. Em seguida, quatro soldados,
pesadamente armados, deixaram a fenda e começaram a
escoltar Non e os outros para dentro da muralha.
Dentro daquele espaço,
primeiramente, havia barricadas, montadas com pedras e voltadas
para a entrada. Soldados circulavam armados e em prontidão.
Ao fundo, um castelo, ao modo particular da arquitetura drow:
construções escuras e fortes, de formas simples,
desprovidas de adereços ou ornamentos, feitas em rocha,
que se harmonizavam e pareciam mesclarem-se com o ambiente
cavernoso do Subterrâneo. Suas torres, ao redor de uma
edificação central, subiam ao alto, terminando
pontiagudas como estalagmites. Aproximaram-se da entrada.
Foram abordados por dois sentinelas e liberados, após
um deles trocar palavras com Non. Dentro da construção
viram que o espaço era amplo, com um grande vão
em aberto no centro, do qual erguia-se uma enorme escada helicoidal,
feita de uma pedra lisa e negra. Pelo que podiam ver, o castelo
deveria possuir quatro andares. Muitos drows, nobres e guerreiros,
circulavam pelo edifício, assim como muitas aranhas,
de pequenas a outras do tamanho de um cão.
Subiram os degraus escuros,
guiados por Non. No terceiro andar, deixaram a escada e pisaram
em uma das plataformas que rodeavam seu patamar. Foram conduzidos
a entrada de um salão guardado fortemente. Non pediu
para que aguardassem. Aproximou-se dos sentinelas e penetrou
as grandes portas, para retornar em seguida, cerca de quinze
minutos depois. Juntos, então, entraram.
A grande sala, de paredes
negras como todo o restante do castelo e iluminada por tochas
púrpuras de fogo mágico, possuía muitos
assentos de madeira e encostos estofados de cor lilás,
com motivos de teias. Eles convergiam para uma plataforma
mais alta, como um palco, onde sentava em um trono uma drow,
de ricas vestes negras e prateadas, e longos cabelos brancos.
Ao seu lado direito, havia alguém que um observador
experiente poderia dizer ser um mago, pelas vestes que usava.
À direita, havia três soldados e um outro, mais
robusto e belamente vestido, que parecia ser uma espécie
de oficial. A fêmea pediu para que se aproximassem e
assim o fizeram.
“Sou Ilivarra, matrona
da Casa D’Vaer. Non disse-me que vocês são
habilidosos e estão perdidos aqui... falou-me que possuíam
acordos com a Casa Chumav...”
“Sim. Chamo-me Narcélia
Millithor. Viemos ter com os Chumav, mas quando aqui chegamos
encontramos a cidade em ruínas!”, disse-lhe Mikhail,
na pele da sacerdotisa drow.
“Creio que Non deve
ter-lhes atualizado sobre o que se passou aqui. Porém...
qual é o objetivo de vocês com a Casa Chumav?”
“Temos um acordo,
um tratado antigo. Nossa matrona aguardava por uma negociação,
mas agora, com o castelo Maerimydra tomado e a Casa Chumav
exterminada, não sabemos quais serão nossas
ordens. Não podemos revelar mais detalhes.”
“Quem é a
sua matrona? Onde ela está?”
“Minha senhora chama-se
Ki´Willis. Está em um local seguro.”
“Bem, minha cara,
como podemos nos ajudar? Se buscam por algum tesouro, magia
ou conhecimento dos Chumav, talvez encontre no castelo Maerimydra,
que está ocupado pelos Aercelt. Vocês não
possuem chances de ir até lá sozinhos. Seriam
exterminados.”
“Permitam-me!”,
exclamou Kariel, sob o disfarce de Karelist, o mago drow da
casa Millithor.
“Pois não,
Karelist!”, permitiu Mikhail, agindo como Narcélia.
“Se quisermos entrar
no castelo teremos que expulsar os Aercelt e isto é
algo que beneficiaria tanto a nós quanto a vocês,
da Casa D’Vaer. Acredito que nossos destinos estão
ligados.”
“Concordo”,
colocou a matrona D’Vaer. “O nosso objetivo é
retomar a cidade e para isto devemos destruir a Casa Aercelt
e a Casa Oorthagus. Os escravos não nos preocupam.
Infelizmente não temos contigente suficiente para combater
nem mesmo uma destas Casas, portanto, temos um plano em que
vocês poderão colaborar.”
“Que plano?”,
perguntou desta vez Arthos, que fazia o papel de Torrellan
Millithor
“Pensamos em causar
um atrito entre duas facções. Um conflito que
provocasse discórdia, revolta, e muitas baixas. Seriam,
desta vez, outros, que não os adoradores de Lolth a
morrerem. Enfraqueceríamos as fileiras inimigas! Gostaríamos
que vocês insuflassem um conflito entre os escravos
comandados pelos gigantes do fogo e os inimigos da Casa Aercelt!
Preparamos algumas vestes e objetos idênticos aos usados
pelos Aercelt. Podem disfarçarem-se assim e atacar
a arena. Os escravos são ignorantes e, se executarem
bem o plano, eles não duvidarão que os Aercelts
querem destruí-los ou os escravizarem novamente. Esta
é minha sugestão!”
Um dos soldados, próximos
a líder dos D’Vaer, aproximou-se do grupo em
frente ao trono e entregou as vestes características
da Casa Aercelt nas mãos de Limiekki e do professor
Danicus, ou melhor, dos drows Dariel e Glemoran Millithor.
“Consultaremos nossa
matrona, afinal arriscaremos nossa Casa nesta empreitada!”,
disse Mikhail.
“Então vão!
E espero que aceitem a demanda e tragam sua matrona aqui posteriormente.
Acredito que esta seja uma oportunidade para nossas duas casas
conseguirem o que desejam!”
Terminada a reunião,
Non então conduziu os visitantes para fora do salão,
do castelo e da muralha que protegia o último refúgio
dos drows seguidores de Lolth e lá, em uma vênia,
despediu-se daqueles drows estrangeiros. A Comitiva da Fé
então tomou o caminho de volta e rumou para a localização
mais próxima da nau voadora, onde estava o restante
do grupo. Conversaram durante o caminho sobre a propriedade
do plano e seus desdobramentos. A princípio, viam lógica
em seguir, pelo menos por enquanto, a estratégia dos
D’Vaer, mas a decisão cairia sobre as mãos
de Storm Mão Argêntea, líder da missão.
Enquanto andavam, pelas
ruas tortuosas da devastada cidade, Kariel sentiu algo oprimir
por alguns instantes a sua mente. Franziu o rosto e tocou
com as mãos a fronte.
“O que houve?”,
perguntou Sirius, ao ver a reação do amigo.
“Alguém tentou
explorar magicamente a minha mente, mas fracassou! Tenham
cuidado com o que falam!”
Chegaram, após
vinte minutos, no lugar onde haviam deixado pela última
vez a nau. Era um sítio escuro e mais afastado do centro
da cidade. Lá Kariel, em voz baixa, disse as seguintes
palavras:
“Storm. Estamos
embaixo. Precisamos falar-lhe.”
A mensagem, um sussurro
inaudível, foi perfeitamente ouvida pela mente da Barda
do Vale das Sombras. Tanto ela, quanto o jovem elfo Kariel
eram Escolhidos da Deusa da Magia, Mystra, e graças
à esta dádiva podiam ouvir as nove palavras
posteriores a pronúncia de seus nomes ou títulos,
em qualquer lugar onde estivessem.
“Kariel, é
melhor que venha sozinho!”, respondeu a mulher, ecoando
sua voz na mente do elfo.
Kariel pediu para que
os companheiros o aguardassem nas proximidades e se afastou
um tanto deles. Viu então, da escuridão do imenso
teto cavernoso, descer a nau voadora, até uma altura
em que pôde embarcar. Em seguida, o navio mágico
pôs-se a subir novamente. Kariel reviu e cumprimentou
seus amigos, e em seguida foi abordado pela aventureira que
liderava a incursão, com a qual foi ter, em seguida,
uma conversa particular.
“Sim, Kariel. Diga-me,
o que está acontecendo?”
O elfo então fez
um resumo dos eventos na cidade de Maerimydra. Contou-lhes
sobre os combates, a guerra civil, o extermínio da
Casa Chumav e sobre Non, a Casa D’Vaer e a proposta
da matrona. Também disse, por fim, de sua preocupação
sobre a sondagem de sua mente, minutos atrás.
“Não se preocupe
enquanto a isto. Se não conseguiram penetrar em sua
mente, demorará um pouco até que tentem novamente.
Quanto ao acordo... o que ela tem a nos oferecer?”
“Na verdade, a matrona
Ilivarra não nos prometeu nada, mas acredito que com
a casa Aercelt enfraquecida, seu contingente seja suficiente
para confrontá-la e, possivelmente, em caso de sucesso
dos D’Vaer, poderíamos penetrar no castelo Maerimydra
e verificar a existência do portal.”
“Bem. Se considerar
que esta missão não represente grande risco,
acredito que devam executá-la.”
“Na verdade, acredito
que haja risco, mas não vejo alternativa. Dificilmente
penetraremos o castelo dos Aercelt sem algum auxílio
dos D’Vaer.”
“Isso não é necessariamente uma verdade.
Não sabemos a extensão dos recursos dos Aercelt.
Precisamos ficar de olhos abertos para construir nossas próprias
opções. Esta guerra não nos diz respeito.
Nosso interesse é apenas localizar o portal, destruir
a chave e partirmos para outra cidade. Mas acredito que seja
do nosso interesse prosseguir com este plano.”
“A matrona dos D’Vaer
também deseja ver nossa matrona, Storm.”
“Não posso
deixar a nau agora, Kariel. Se houver extrema necessidade,
farei isto depois. Por enquanto, execute o plano dos drows
e me mantenha informado do resultado.”
“Sim, Storm. Farei
isto!”
A reunião encerrou-se
assim, e a nau deixou o mago elfo novamente no piso rochoso
da caverna. Ele então se aproximou do local onde havia
se separado dos companheiros. Eles o viram e deixaram seus
esconderijos em meio às ruínas.
“E então?!
O que faremos?”, perguntou Sirius.
“Executaremos o
plano dos D’Vaer!”, informou Kariel.
“Somente acho que
devemos ter cuidado e não confiar tanto nestes drows!”,
disse Arthos
“O que a matrona
Ilivarra disse, até agora, é lógico para
mim.”, opinou o mago elfo. “Acredito
que o que vamos executar nos ajudará.”
“Lembre-se, Kariel...
é possível fazer conjecturas lógicas
sobre assuntos incorretos!”, advertiu Limiekki.
“Vamos realizar
o plano e nos manter abertos para outras oportunidades!”,
disse Sirius.
“Podíamos
expandir esta idéia. Atacaríamos também
a casa Oorthagus para que pensem que foram os Aercelts, ou
os escravos, ou mesmo os D’Vaer!”, colocou Arthos.
“Não acho
uma boa idéia. Poderíamos provocar algum tipo
de aliança indesejada, ou sermos descobertos.”,
comentou Kariel.
“Acho que o jovem
tem razão!”, disse Danicus. “Ademais, não
temos muitas informações sobre os Oorthagus
para poder nos infiltrar entre eles!”
“Então não
vamos perder mais tempo. Vamos atacar esta arena! Vi que entre
as coisas que os D’Vaer nos deram existem um mapa do
centro da cidade, indicando a localização do
território dos Aercelt e o dos escravos.”, disse
Limiekki, que sacou um pergaminho dobrado entre as vestes
que lhe foram entregues e mostrou aos demais.
Mikhail avaliou o mapa,
e comentou.
“Existe uma rua
larga entre a Casa Aercelt e a arena. Sugiro tomarmos este
caminho como se estivéssemos vindo do território
dos Aercelt em direção da arena. Assim os escravos
terão mais forte a idéia de que o ataque partiu
realmente dos Aercelt.”
“Temos que tomar
esta rua transversal até encontrar esta maior, então.”,
mostrou com o dedo Arthos.
“Está feito.
Vamos nos trocar e caminhar. Estamos muito próximos
à arena para ficarmos aqui parados!”, advertiu
Limiekki.
Assim os aventureiros
procuraram algum abrigo entre os prédios devastados
e mudaram de roupas. Os drows da casa D’Vaer tiveram
o cuidado de entregar-lhes vestes adequadas para cada um dos
membros da casa Millithor: dois trajes de mago, que correspondiam
às funções de Karelist e Glemoran, três
de guerreiros, para Dariel, Torrellan e Sirius e um vestido
de sacerdotisa para Narcélia. Eram versões diferentes
dos trajes de Lolth, menos negros e mais púrpuras.
Trocaram-se e puseram-se
a caminhar, com muita atenção e cuidado. Encontraram
a rua estreita apontada por Arthos no mapa. Percorreriam-na
até a via principal, entre o castelo Maerimydra e a
grande arena. A rua contava um trecho bastante devastado,
com poucos edifícios intactos. Naquela guerra, este
deveria ter sido um palco de batalhas intensas. O grupo seguiu,
tendo o furtivo Limiekki à frente. Ouviram-se ruídos
de passos distantes adiante. Limiekki, mais avançado
que estava, anunciou:
“Uma patrulha de
bugbears!”
Em vez de confrontarem
os inimigos, a Comitiva da Fé resolveu preservar o
elemento surpresa, e escondeu-se nos escombros. Passaram então
seis dos grandes homens-ursos, de armadura e maças
nas mãos. Os monstros não notaram nada de errado
e seguiram em frente. Quando estes alcançaram grande
distância, os aventureiros saíram dos esconderijos
e continuaram sua jornada.
Passaram-se dez minutos
e outro ruído foi ouvido. Pareciam vozes. Desta vez,
vinham da margem direita do caminho. Os heróis então
saíram novamente da rua e se esgueiraram com cautela
pelos escombros, desta vez para tentar descobrir a origem
daquelas vozes. Escondidos, viram que havia um sentinela,
terreno adentro, que aparentemente havia notado a presença
deles. Limiekki pediu ao grupo para aguardá-lo e resolveu
investigar adiante. Foi até um sítio mais alto,
uma construção semi-destruída, onde pôde
ter uma visão mais privilegiada da área. O sentinela,
avistado sobre uma sacada, na verdade vigiava um acampamento,
onde haviam pelo menos dois bugbears e mais dois minotauros.
O ranger então desceu e resolveu seguir rua à
frente. Encontrou a interseção com a via mais
larga que procuraram, porém no trecho a sua esquerda,
na direção do castelo Maerimydra, existia, ao
longe, um posto de observação dos Aercelt. Podia
ver drows em sentinelas. Após o reconhecimento do terreno,
voltou para os colegas, que já o aguardavam ansiosos.
“E então?
O que descobriu?”, perguntou Arthos.
“Estamos entre o
fogo e a caldeira. A direita existe um acampamento dos escravos
e mais adiante, na saída para a rua principal, um posto
dos Aercelt.”
“Podíamos
atacar o acampamento e correr em direção do
posto. Estamos vestidos como os Aercelt. Eles nos darão
passagem e cobertura contra os perseguidores.”, sugeriu
Arthos.
“Não creio
que seria prudente. Ainda que os Aercelt lutem em nossa defesa,
podem nos deter por iniciar uma batalha não autorizada.”,
colocou Kariel.
“E acredito que
um ataque a este acampamento não seria ofensa suficiente
para iniciar um conflito generalizado. É preciso algo
mais pessoal!”, disse Danicus.
“Atacar diretamente
os líderes dos escravos na arena? Os gigantes?”,
questionou Sirius.
“Sim. Atacar as
lideranças em seu próprio território
seria um ato de ousadia suficiente para insuflar o ódio
entre eles.”, respondeu o professor Harpista.
“Mas a arena está
ainda distante daqui e o caminho está bastante vigiado,
ao que parece.”, observou Limiekki.
“Podemos alcançar
a arena através de magia. Eu posso levar três
comigo até lá!”, colocou Kariel.
“Podemos nos dividir
em dois grupos: um poderá atacar a arena e outro este
acampamento. Fugiríamos através de meios mágicos.”,
falou Danicus, que também possuía habilidades
de arcano.
“Sim. Posso mascarar
a nossa fuga com uma ilusão que nos mostre retornando
ao território dos Aercelt.”, complementou Kariel.
“Parece que temos
um plano, então.”, concluiu Mikhail. “Precisamos
saber quais serão os grupos da arena e do acampamento.”
“A invasão
da arena me parece a missão de maior risco e na qual
precisaremos de força e também de sutileza.
Acho que Torrellan, Narcélia, Dariel e eu poderíamos
ir até lá. Glemoran e Zoreg podem ficar e providenciar
o ataque ao acampamento.”, disse Kariel, se referindo
aos companheiros pelos seus codinomes drows.
Ponderaram e concordaram
com a divisão e o plano estava traçado. Começaram
então a acertar alguns detalhes. Kariel conjurou um
encanto, permitindo que os companheiros, mesmo aqueles que
estivessem à distância, pudessem conversar com
ele. Era através deste sortilégio que daria
o comando para Zoreg e Danicus atacarem o acampamento. Depois
da fuga, que seria realizada através de magia, se reuniriam
no mesmo ponto onde havia encontrado o drow Non. Últimos
detalhes acertados, Kariel fixou o seu olhar para o alto da
arena, o alto prédio circular o qual que se podia ver
ao longe, e executou um sortilégio, gesticulando e
pronunciando palavras arcanas. Assim que terminou, tocou Arthos,
Mikhail e Limiekki e os quatro desapareceram.
Na Arena dos Gigantes
A
arena de Maerimydra era um gigantesco anfiteatro circular,
feito em rocha negra. Cobrindo a fileira mais alta de suas
arquibancadas, havia uma laje de pedra e foi sobre ela que
apareceram os quatro intrusos. Não estavam, porém,
sozinhos. Surgiram bem próximos a dois bugbears, que,
felizmente para os heróis, estavam de costas. Os dois
vigias não tiveram tempo de reação: Arthos
e Limiekki os atacaram com velocidade e suas lâminas
traspassaram o corpo dos monstros, sem que houvesse a oportunidade
de uma reação, ou de alarde. Os três então
se deitaram ao solo, para não se exporem em demasia.
Observaram que, no mesmo nível onde se encontravam,
haviam mais guardas, porém estes estavam distantes.
Arrastaram-se em direção a borda interna. Ao
colocarem as cabeças, enxergaram o centro da arena.
Havia lá diversos bugbears e minotauros. Porém,
o que mais chamava-lhes a atenção eram os ocupantes
dos lugares de duas enormes mesas que estavam instaladas no
centro do tablado ovalado. Eram dois gigantes do fogo, que
se banqueteavam com um grande pedaço de carne e bebiam
em barris. Deviam ter cerca de três metros e meio de
altura. Os dois ostentavam grandes barbas e cabelos, de fios
grossos e arredios, vermelhos como brasas, e um deles usava
um grande medalhão, com o símbolo contendo três
relâmpagos de Talos, Deus das Tempestades.
“Wudo
e Drull, suponho.”, disse Limiekki.
“Vamos
descer para atacá-los!”
“Não
Arthos! Um golpe de um deles iria arremessá-lo para
longe, fora os dezenas de asseclas que eles controlam. Devemos
executar um ataque rápido e poderoso daqui mesmo, e
fugir antes que nos peguem!”, colocou Kariel.
“É...
temos que aproveitar a furtividade!”, concordou Limiekki.
“Bem...
talvez seja tarde demais para isto!”, disse Mikhail
apontando para um dos guardas bugbears, que havia acabado
de avistá-lo e que gesticulava, chamando mais de seus
colegas para confrontar aqueles intrusos. Haveria agora poucos
minutos até todos perceberem a invasão.
“Danicus,
Sirius! A batalha começou!”, sussurrou Kariel,
sabendo que suas palavras chegariam aos ouvidos dos distantes
amigos, iniciando o ataque simultâneo.
Os
heróis então atacaram os gigantes enquanto podiam.
Limiekki e Arthos sacaram arco e uma besta, em seguida prepararam
as flechas e os virotes, e atiraram. As setas voaram velozes
e uma delas atingiu de raspão o braço de Wudo,
que olhou para o alto, buscando os inimigos. O que viram foi
um raio de eletricidade, que partiu das mãos de Kariel,
atingindo violentamente Drull, que caiu de sua cadeira ao
solo, cabelos e barbas fumegando. Mikhail também atacou,
mas resolveu ter como alvo os bugbears que se aproximavam.
Vinham, correndo pelo anel superior, quatro destes monstros,
dois pela esquerda, dois pela direita. Mikhail gesticulou
e pronunciou uma prece a Deusa da Magia e, assim, um jato
de fogo surgiu, partindo do piso, envolvendo os dois que corriam
à esquerda. Envoltos pela repentina e poderosa chama,
tombaram, vítima do intenso calor.
Na
arena, os gigantes estavam de pé agora, e pareciam
extremamente furiosos. Sacaram suas espadas, também
gigantescas, e deram ordens aos seus comandados, a fim de
eliminarem os intrusos. Wudo, também um sacerdote de
Talos, chamou pelo seu deus, gesticulou e realizou um encanto,
apontando para a localização dos invasores.
Um fogo, semelhante ao invocado por Mikhail momentos atrás,
surgiu entre os aventureiros. Apesar da proteção
de suas armaduras e de alguns itens mágicos que carregavam,
ainda sofreram queimaduras e sentiram dor. Entre os heróis,
Limiekki era que parecia mais seriamente ferido. Em sua pele
escura de drow, podiam-se ver manchas vermelhas de sangue
e bolhas. Mas não havia tempo para lamentar. Os dois
bugbears, que corriam para interceptar aquele grupo da Comitiva
da Fé, haviam finalmente chegado.
Arthos
e Limiekki puseram-se de pé para confrontar os guardas,
enquanto Kariel preparava uma conjuração, sendo
protegido por Mikhail. O tempo era precioso e tinham que fugir,
antes que todo o exército dos escravos estivesse ali.
Arthos, sabre em riste, em velozes golpes, cortou o couro
peludo do adversário. Tentou acerta-lhe o pescoço,
mas encontrou a armadura de couro que o monstro usava para
impedir seu intuito. O adversário revidou. Arthos chegou
a esquivar, porém alguns dos cravos da maça-estrela
usada pelo bugbear chegaram a raspar seu ombro, rasgando-lhe
as vestes. Limiekki tentou um golpe, mas este passou em branco.
O ranger não coordenava bem as suas ações
e talvez por isto tivesse errado. O bugbear que o combatia
não errou. Desferiu um poderoso golpe com a maça
que explodiu no tórax de Limiekki, e este tombou, desacordado
e moribundo.
Arthos
viu a grave situação do amigo e decidiu que
abandonaria o combate para retirá-lo da zona de perigo.
Mas, antes que executasse qualquer ação, o espadachim
sofreu os efeitos de outro do nefasto encanto de Wudo. Um
novo jato de chamas surgiu do piso, envolvendo-o e ao bugbear.
O herói sofreu queimaduras, mas conseguiu desviar-se
a tempo, saindo-se com uma acrobacia, antes de sofrer uma
injúria mais grave. Já o bugbear caiu morto,
vítima das chamas. Ainda conseguiu Arthos, no final
de seu movimento, desferir um golpe no peito do inimigo que
erguia a maça, para esfacelar o crânio do desacordado
Limiekki. Conseguiu Arthos perfurar o coração
do monstruoso homem fera. Nesta hora, aproximou-se Mikhail.
O clérigo de Mystra usaria suas preces curativas fechar
as feridas dos colegas e trazer Limiekki de volta á
consciência.
Um
pouco mais afastado, Kariel conjurou o encanto de ilusão.
Programou o mago uma imagem que mostraria um portal sendo
aberto e dele saindo os seis drows, que correriam até
sumir de vista, em direção ao território
da casa Aercelt. O encanto agiria em poucos instantes, e por
isto, deveriam logo sair daquele lugar. Além de estratégica,
esta seria uma sábia decisão: subindo no anel
superior, já se podiam ver dezenas de bugbears e alguns
minotauros.
Mikhail
espalmou suas mãos sobre o desacordado e ferido Limiekki
e recitou uma prece. Uma luminosidade branca agiu por um segundo,
algumas das feridas se fecharam e os olhos do ranger se abriram.
Rapidamente, juntou-se a ele, Kariel. O mago executou um novo
encanto. Mirou com os olhos, aproveitando-se da altura da
imponente arena, uma rua distante, próxima ao ponto
de encontro, e tocou os companheiros. Assim, desapareceram
todos, bem no momento em que dezenas de inimigos se aproximavam.
Dos invasores, restou apenas sangue e uma mascará púrpura,
símbolo do deus drow Vhaeraun, adorado pela Casa Aercelt.
Acampamento Atacado
Kariel,
Arthos, Limiekki e Mikahil haviam partido. Agora a missão
cabia ao guerreiro Sirius e ao professor Danicus. Era uma
missão relativamente mais simples. Atacar e correr.
Sirius já possuía larga experiência em
combates, dos mais variados tipos e contra as mais diversas
criaturas, graças a sua presença no grupo de
aventureiros da Comitiva da Fé. Porém, para
o professor Danicus, isto era uma grande e maravilhosa novidade.
Sempre ouviu histórias de batalhas, missões
ousadas e de heróis, mas o caminho que havia escolhido
era o da mente e não do físico. Tinha se tornado
um acadêmico, mas admirava àqueles que se arriscavam
em batalha. Agora era um deles.
Sirius
e Danicus então procuraram um lugar mais adequado para
visualizar o acampamento e promover o ataque. O alto de um
dos edifícios arruinados foi o ponto sugerido por Sirius.
Fizeram uma escalada pelos escombros e observaram entre uma
janela que se abria para o terreno ocupado pelo inimigo. Viram
sentinelas bugbears espalhados e no centro de uma área,
quase sem edificações, havia uma tenda negra
e uma fogueira, em volta da qual alguns minotauros e outros
bugbears se reuniam.
“E
agora? O que faremos?”, perguntou Sirius.
“Acredito
que devamos atacar daqui mesmo. Temos que aguardar o sinal
do seu amigo mago.”
Sirius
retirou o arco e a aljava das costas e preparou uma seta.
Fez mira em um dos minotauros, que estava assando algo no
fogo, a cerca de trinta metros de distância. Passaram-se
dois minutos, quando ouviram ecoar na mente:
“Danicus,
Sirius! A batalha começou!”
Era
o sinal de Kariel. Sirius então disparou duas setas,
que cravaram no peito peludo do homem touro. Danicus gesticulou
e de suas mãos partiram cinco projéteis de energia
mística, que explodiram em alguns bugbears, próximos
ao minotauro ferido. Um deles chegou mesmo a cair sobre a
fogueira, desequilibrado pelo inesperado ataque mágico.
Por alguns momentos, os inimigos ergueram-se e olharam apressados
em volta. Porém um deles, um minotauro, havia notado
a direção de onde vieram os projéteis
brilhantes de energia. Apontou para onde estavam Danicus e
Sirius e urrou.
Os
dois então deixaram seu esconderijo e correram, desenfreadamente,
rumo a rua. Ouviam os passos e os gritos ao fundo. Um bugbear,
que estava mais adiantado e servia como guarda do acampamento,
passou a persegui-los. Sirius virou-se e disparou duas setas
certeiras contra sua perna esquerda. Manco, o adversário
ficou para trás, mas em breve haveria outros. Já
estavam bem próximos da conexão com a estrada
maior, que ligava os territórios dos Aercelts e dos
escravos. Podiam ao longe ouvir ruídos de combate ecoarem.
“E agora... precisamos fugir! Os inimigos já
vão entrar na rua e nos ver!”
“Deixe comigo, jovem!”
Danicus
gesticulou e tocou o colega e após recitar algumas
palavras, desapareceu com ele. Os minotauros e bugbears chegaram
logo em seguida e prosseguiram a procura dos atacantes. Saíram
da pequena rua e entraram na estrada, ao tempo de ver, mais
ao longe, nas proximidades do território dos Aercelt,
um portal se abrir, e seis drows , frutos do feitiço
de ilusão conjurado por Kariel, surgirem para perderem-se
entre as sombras. Para os escravos, parecia não haver
dúvidas: os Aercelts haviam declarado guerra.
Retorno
à Nau Voadora
O
grupo que havia realizado a investida contra a Arena, chegou
primeiro ao ponto de encontro, um grupo de ruínas,
relativamente distante das posições inimigas.
Danicus e Sirius chegaram poucos minutos depois. Trocaram
informações sobre as missões e resolveram
retornar a nau voadora. Kariel, Arthos e principalmente Limiekki,
estavam feridos e precisavam descansar e serem curados. Havia
também a questão do encanto de disfarce, que
lhes dava a aparência de drows, cuja duração
estava próxima de expirar. Então, trocaram as
vestes dos Aercelt pelas dos Millithor e partiram para o platô
escuro onde a nau se ocultava.
Levaram
cerca de trinta minutos. Felizmente não haviam encontrado
patrulhas ou qualquer outro tipo de movimentação
pelo caminho. Kariel repetiu então o chamado para Storm
e a barda Escolhida de Mystra, fez descer o barco da escuridão
do teto da enorme caverna. Desta vez, subiram os seis. Cumprimentaram
os amigos, mas deixaram os relatos para depois. A primeira
providência a tomar era curar os feridos. Tal tarefa
ficava a cargo dos poderes divinos de Mikhail. O clérigo
recitou suas preces e, como fizera com Limiekki, minutos atrás,
fechou as feridas dos companheiros, que restauraram sua saúde
e vigor novamente.
Após
Mikhail ministrar as curas, Storm pediu para Kariel fizesse
um resumo dos acontecimentos envolvendo a missão dada
pelos drows de Lolth. O elfo então contou sobre os
ataques executados que, acreditava, terem sido convincentes
para o propósito do plano arquitetado pelos D’Vaer.
“Ao
que parece, tiveram sucesso em sua missão. Vamos nos
preparar para fazer uma visita a esta Ilivarra amanhã!
Eu e Magnus iremos com vocês.”, disse a mulher
de cabelos prateados.
“Storm.
Além de irmos com este plano, acho que devíamos
jogar como agentes duplos, incitando as casas uma contra as
outras. Podíamos aproveitar a confusão que irá
se formar para invadir o castelo Maerimydra!”, sugeriu
Arthos.
“Acho
prudente seguir o plano dos D’Vaer. Se eles conseguirem
dominar a Casa Aercelt, teremos acesso ao castelo e poderemos
encontrar o portal com maior tranqüilidade!”
“Acredito
que Kariel tem razão, por enquanto. Não devemos
levantar suspeitas. Uma atitude precipitada poderá
por tudo a perder. Em primeiro lugar, temos que saber se o
plano dos D’Vaer surtiu efeito e o que a matrona deles
tem a nos oferecer e depois avaliaremos nossas alternativas.
Sugiro que descansem e façam os preparativos que julgarem
necessários para amanhã.”, Storm colocou,
assim, um ponto final na discussão.
A
palavra ‘amanhã’ dita por Storm começava
a perder um pouco o sentido na mente dos aventureiros. No
Subterrâneo não havia luz do sol e logo não
existia uma contagem natural para os dias. Apegavam-se a noções
de tempo e aos seus relógios biológicos para
fazer tais distinções. Sentiam grandemente,
em especial os elfos e Limiekki, a falta do sol, do ar fresco
e do verde das árvores. O efeito do encanto de disfarce
havia se dispersado, pelo final de seu tempo de duração.
Eram de novo quem realmente eram e isto os deixavam felizes,
em especial Mikhail, que estava desconfortável naquele
corpo feminino. Os aventureiros então ficaram na cabine,
para conversar com os amigos que deixaram na embarcação,
ou para realizar atividades mais pessoais, como a de Kariel,
que registrava as aventuras de seus dias em um diário
que sempre carregava. Entre os que conversavam, estava Arthos.
O curioso espadachim lembrou-se de algo e resolveu ir até
o condutor evereskano, Arnilan Beldusyr.
“Salve,
Arnilan... gostaria de saber se poderia me fornecer mais algumas
orientações sobre a pilotagem desta nau.”
“Porque
eu faria isto?”, respondeu secamente o elfo de cabelos
dourados. Havia um ódio no olhar do piloto, que Arthos
não havia percebido antes.
“Precisamos
ter outra pessoa com o conhecimento necessário para
navegar este barco, na possibilidade de haver algum problema
que o impeça de fazê-lo.”, justificou o
ruivo humano.
“Descobri
que se chama Arthos Fogo Negro. Estou certo, não?!”
“Sim!
Este é meu nome! Porquê?”
“Tentou
vender os segredos do mythal sagrado de Evereska! Minha família,
minha nação... tudo que zelo e amo estão
naquela cidade e você pôs tudo em risco por causa
de seus desejos egoístas. Somente não tomo uma
atitude mais drástica por conta do respeito que tenho
à senhora Storm, aos seus colegas e por conta de tudo
de que depende o sucesso de nossa missão. Não
me peça para lhe ensinar nada. Saiba que a partir de
agora, eu apenas o tolero!”
“Fui
julgado pelos seus Anciões e tive minha pena. Espero
que seja menos arrogante quando eu tiver que salvar a sua
vida!”, respondeu Arthos, em tom grave.
“Se
ocorrer esta situação, por favor, não
o faça! Prefiro morrer a ser salvo por você!”
Neste
momento, ouvindo os ânimos se exaltarem, aproximam-se
Mikhail, Limiekki e Kariel. Foi o último a intervir.
O mago se postou entre os dois e disse:
“Por
favor, parem! Espero que deixem suas diferenças de
lado! Vamos precisar da colaboração dos dois.”
“Eu
estou prestando minha colaboração, mas não
vou ensiná-lo!”, falou Arnilan, visivelmente
irritado.
“Então
pode arrumar outra pessoa para ensinar. Estou cansado desta
arrogância dos elfos!”, esbravejou Arthos.
“Ofender
nossa raça não irá ajudar!”, condoeu-se
Mikhail, elfo dourado.
“Não
me referia a você ou Kariel. Vocês são
exceções.”, justificou o espadachim. “Essa
viagem será mais longa do que eu pensei!”, finalizou,
deixando a cabine em direção ao convés,
onde estava o restante dos aventureiros.
Kariel,
Arthos e Limiekki então voltaram para os seus lugares,
onde continuaram uma conversa em voz baixa.
“Mikhail...
em uma coisa Arthos tem razão: precisamos de outro
piloto para a nau. Se algo acontecer a Arnilan ficaremos presos
no Subterrâneo. Você é evereskano e um
elfo. Talvez seja o mais indicado para aprender!”, ponderou
o mago de cabelos azuis.
“Disto
eu não sei, Kariel, mas posso tentar!”, respondeu
o loiro elfo, sacerdote da deusa Mystra.
“Tem
outra coisa que Arthos tinha razão...”, acrescentou
Limiekki, “...essa vai ser uma longa viagem. Me sinto
oprimido neste lugar escuro, sem ver uma árvore, um
pássaro! Imagine que vocês sentem o mesmo!”
“Sim.
Agora imagino o tamanho do castigo dado por Corellon aos drows!”,
falou Kariel, relembrando-se do mito de seu povo que dizia
que Corellon, senhor dos deuses élficos, havia expulsado
a deusa traidora Lolth e seus seguidores para as entranhas
da terra.
“Pois
é, amigos... será realmente uma longa viagem
para todos nós!”, comentou um tanto melancólico,
Mikhail.
Enquanto
as areias do tempo caiam, os membros da expedição
ocuparam-se de maneiras diversas. Arthos resolveu secar uma
grande garrafa de vinho, Bingo ensinava a Limiekki o segredo
de abrir fechaduras usando pequeninas ferramentas, Sirius
e Danicus falavam a Magnus, Klerf e Storm suas impressões
do Subterrâneo, enquanto Kariel e Mikhail liam, respectivamente,
um grimório e um livro de preces divinas. Já
Arnilan, permanecia sentado na poltrona de controle, muito
mais sério e calado do que de costume. Por fim, um
a um adormeceram, preparando seus corpos para os desafios
do novo dia.
Um Banquete na
Casa D’Vaer
Doze
horas depois de chegarem à nau, os aventureiros estavam
de pé novamente no convés. A exceção
de Arthos, que sentia uma dor de cabeça persistente
por conta da bebida, todos pareciam bem dispostos. O grupo
iria novamente até o refúgio dos D’Vaer,
com o acréscimo de Storm e Magnus, ou melhor, da matrona
da Casa Millithor Ki’ Wyllis e do mestre das armas Marckarius.
Arnilan, Bingo e Klerf permaneceriam na nau.
Kariel e Storm executaram
novamente o engenhoso feitiço de disfarce e agora eram
novamente drows. A nau desceu do alto e os aventureiros tocaram
mais uma vez o piso negro da cidade de Maerymidra. Percorreram,
então, o mesmo caminho que Non os havia mostrado. Levaram
cerca de vinte e cinco minutos até a muralha que protegia
aquele feudo. Ao aproximarem-se, foram logo notados por dois
sentinelas, que vieram averiguar a identidade dos recém
chegados. Informações checadas, foram guiados
para o palácio e para a Câmara Real. Logo, estavam
diante da matrona Ilivarra D’Vaer e de Non, com os quais
trocaram respeitosas saudações. Em seguida Limiekki
devolveu as vestes dos Aercelts, usadas no ataque.
“Salve, senhora
Ilivarra, matrona dos D’Vaer! Sou Ki´Willis, matrona
da casa Millithor e este é Marckarius, nosso mestre
de armas.”, disse fazendo as apresentações.
“Os demais, já
deve conhecer. O ataque sugerido foi realizado com sucesso.”
“Fico contente que
tenha vindo, senhora Ki´Willis!”, respondeu a
drow. “Os drows de sua Casa são fortes e executaram
uma audaciosa missão. Gostaria de oferecer-lhes um
banquete, em homenagem a vocês. Nele poderemos conversar
um pouco mais. Terão acomodações se aceitarem
ser nossos hóspedes.”
“Será um
prazer, Ilivarra!”, aceitou Storm.
“Ótimo. Non
irá conduzi-los. Fiquem a vontade para conhecerem o
castelo!”
Fizeram uma vênia
em agradecimento e deixaram o salão. Desceram então
a escada helicoidal de pedra, e percorreram o segundo andar
do edifício. Storm e Magnus observavam com atenção
o ambiente exótico onde estavam. O professor Danicus
já conhecia o castelo, mas sua extrema curiosidade
o fazia verificar minuciosamente com os olhos todos os detalhes
que eram possíveis de perceber. Arthos aproximou-se
de Non, para fazer algumas perguntas.
“Non... poderia
dizer-me algo sobre Casa Oorthagus?”
“São adoradores
de Gaunadaur! Dizem que foram eles que fundaram a cidade,
há muitos séculos atrás. As histórias
contam que chegaram nesta câmara e, junto com alguns
escravos e monstros, criaram uma comunidade. Depois vieram
outros, vindos de algumas cidades antigas que foram abandonadas
e construíram aqui suas casas. Sempre houve atritos
por conta da diversidade de crenças, mas a religião
de Lolth se impôs, até o momento em que a deusa
parou de atender nossas preces, e a guerra civil começou.”
“E esta Casa Oorthagus?
Qual é a posição dela no momento?”,
continuou Arthos.
“È difícil
saber. Eles são meticulosos e difíceis de espionar,
mas existem rumores que podem unirem-se a casa Aercelt. Os
seguidores das duas casas não tem muitos atritos entre
si e ambos odeiam Lolth. O território deles fica ao
Norte.”
“Existe alguma notícia
sobre os resultados do nosso ataque?”, perguntou Kariel,
desta vez.
“Ainda não,
mas pode ser que tenhamos novidades em breve sobre isto.”
Continuaram a andar pelo
castelo, onde viram por entre portas abertas e entreabertas,
salas de treinamento, alojamentos e mesmo algo que parecia
ser um cômodo amplo dedicado às crianças.
Foi o único lugar onde as viram. Encontraram pelo caminho
um drow, com vestes de mago, que observava a passagem dos
forasteiros. Olhou atentamente para Kariel e o mago da Comitiva
fez o mesmo. Era o mesmo que acompanhou Ilivarra na primeira
vez em que encontraram a matrona drow. O elfo sentiu em seu
íntimo a estranha convicção de que aquele
arcano era poderoso e que foi ele a tentar verificar sua mente,
dias atrás.
Adentraram, por fim, um
grande salão de jantar, com algumas dezenas drows sentados.
Havia nele algumas mesas pequenas e uma maior, onde estavam
reservadas cadeiras para os Millithor, voltadas para outras
cadeiras, uma delas de alto espaldar. Já sabiam quem
sentaria nela.
A matrona Ilivarra D’Vaer
entrou no salão e todos se levantaram em sinal de respeito.
Em seguida, a drow se acomodou à frente da Comitiva
e próximo a Non. Trazia consigo um forte guerreiro
e o mago, que momentos atrás havia fitado os olhos
de Kariel.
“Senhora Ki´Willis...
estes são Vorn, o nosso Mestre de Armas e Jyslin, o
Mago da Casa. Poderiam nos dizer como foi a operação
contra nossos inimigos?”
“Fizemos exatamente
como sugeriu. Atacamos os escravos e seus líderes.
Pela maneira como reagiram, acredito que neste momento estejam
planejando uma retaliação contra a Casa Aercelt.”,
respondeu Storm.
“Neste caso, sugiro
que esperemos os desdobramentos, para saber que vantagens
poderemos obter do conflito.”, colocou Ilivarra.
“Nós, da
Casa Millithor, podemos ainda colaborar, mas gostaríamos
de saber o que têm a nos oferecer.”
“Senhora Ki´Willis...
se tudo ocorrer bem, planejamos executar um ataque maciço
à Casa Aercelt. Ele estarão debilitados devido
ao confronto com os escravos e poderemos infiltrar um grupo
para tomar o castelo Maerimydra de assalto. E o que houver
por lá, que por ventura desejem, poderão procurar
e levarem para si, sem oposição, desde que nos
auxiliem. Assim atingiríamos ambos nossos objetivos.”
“Se nos concederem
acesso ao castelo, cooperaremos.”
“Então temos
um acordo!”, disse Ilivarra, sorrindo. “Aproveitem
então o jantar!”
Serviçais entraram
com bandejas e pratos. As iguarias servidas não eram
de agrado da Comitiva: fungos, carne de lagartos e outras
criaturas. Porém comeram, sem levantarem suspeitas.
Após a refeição, Non convidou os Millithor
para irem a outra sala. Storm, no entanto, permaneceu sentada
conversando com a matrona drow. No novo ambiente, anexo ao
grande salão, haviam várias almofadas no chão
e, ao centro, um grupo musical tocava, em estranhas harpas
e instrumentos de cordas, uma exótica e melancólica
melodia. Uma hora depois, Storm entrou na sala, sozinha, e
aproximou-se da Comitiva.
“Chegaram notícias
recentes sobre pesados conflitos entre os Aercelt e os escravos.
Em face disto, a matrona Ilivarra irá preparar seus
exércitos para um ataque amanhã. Nos ofereceu
acomodação, mas acredito que devemos voltar
para nossos próprios preparativos!”, comunicou
Storm.
“Sim, senhora!”,
responderam os aventureiros, emulando a obediência dos
drows às suas líderes.
Deixaram então
a sala de música, retornaram ao salão de jantar
e despediram-se da matrona Ilivarra, do guerreiro Vorn e do
mago Jyslin. Non então os acompanhou novamente para
fora do castelo e das muralhas. Despediu-se então dos
Millithor. Porém, o drow de maneiras sutis, neste momento,
colocou sorrateiramente um papel em um dos bolsos do traje
de Kariel, sem que o mago o percebesse.
Em seguida a Comitiva
partiu, em retorno a nau, carregando sem saber uma misteriosa
mensagem.
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