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Retomada
Descrita por Ricardo Costa.
Baseada no jogo mestrado por Ivan Lira.
Personagens principais da aventura:
Os
Humanos: Magnus de Helm; Sirius Lusbel; Sigel O'Blound
(Limiekki). Os Elfos: Mikhail Velian; Kariel Elkandor.
O Halfling: Bingo Playamundo.
A Retomada
O
Despertar sob a Montanha
Passaram-se
oito horas desde que os aventureiros da Comitiva da Fé
haviam resolvido descansar. Dormiram como puderam. As camas
eram confortáveis, muito mais do que as que estavam
acostumados, nas longas viagens e acampamentos. Aos poucos,
começaram a levantar. O primeiro impulso era de entrevistar
finalmente os homens que foram cativos, saber deles o que
havia ocorrido, se ouviram algo dos drows, se eram realmente
os Harpistas desaparecidos. Mas Mikhail, que conhecia muito
sobre curas e injúrias do corpo, foi taxativo: aqueles
homens demorariam ainda mais dois dias, até estarem
plenamente alimentados e hidratados e assim poderem falar
aqueles assuntos. Sendo assim, os despertos heróis
procuraram outras coisas para fazer.
Uma
pequena reunião com alguns deles se formou nas proximidades
do portal de pedra desativado. Estavam Kariel, Magnus, Mikhail
e Limiekki. A conversa era sobre o destino daquela passagem
mágica e Magnus segurava a grande e brilhante gema
vermelha que, acreditava-se, seria, quando fixada em uma cavidade
no ponto mais alto da moldura de pedra, a chave que acionaria
a passagem.
“Acho que deveríamos
bloquear este portal!”, sugeriu Mikhail.
“Bloquear?! Acho
que devemos destrui-lo e junto com ele esta gema! Eu sinto
maldade irradiando desta jóia!”
“Não sei
se é a melhor idéia, Magnus. Talvez possamos
usar o portal como uma vantagem estratégica. Se um
dia tivermos que fazer uma incursão ao território
drow, podemos usar o portal como uma maneira de chegar até
às suas cidades e confrontá-los em seu próprio
covil!”, disse Kariel, formulando um estratagema.
“Mas pode existir
a possibilidade dos drows cruzarem o portal no sentido inverso
e nos atacar!”, rebateu o paladino de Helm.
“Podemos montar
algumas barricadas e acionar o portal. Se saírem alguns
destes drows de lá estaremos preparados!”
“E se for um exército,
Limiekki? Não teremos como contê-los!”,
observou o mago elfo.
“Então...
destruímos ou não!?”
Ante a pergunta do já
impaciente Magnus, os demais fizeram um instante de silêncio,
pensando e ponderando, até que Kariel novamente se
pronunciou.
“Acho que devemos
aguardar Storm. Ela deve conhecer o funcionamento deste portal
e poderá nos dar uma orientação mais
adequada.”
“Enquanto isto,
poderei bloqueá-lo. Lerei uma prece especial e a rocha
preencherá o vão. Acredito que assim não
haverá como os drows passarem.”
“Pode reverter o
encanto se necessário?”
“Sim, Magnus.”
“Então o
execute, Mikhail. Será nossa solução
até a chegada de Storm.”, concluiu Kariel.
Mikhail então gesticulou
e recitou algumas palavras da prece divina. Após a
última sílaba, uma camada de rocha, do mesmo
tipo negro que formava o portal, estendeu-se das extremidades
do arco até fechá-lo completamente. Com aquele
assunto encerrado, pelo menos por enquanto, os heróis
então decidiram por explorar melhor o lugar e partiram
para pontos distintos do complexo cavernoso. Após algumas
horas, se reencontrariam na sala de reunião para comunicar
o resultado de seus esforços.
Kariel andou alguns metros,
até a outra extremidade, onde estava aportada a nau.
Estava o mago curioso com os raios de luz que vinham do alto
naquele ponto. O elfo arcano então lançou sobre
si um sortilégio, através de palavras incompreensíveis
e começou a levitar. Segurou nas paredes, tomou impulso
nas rochas e foi subindo mais e mais. O teto fazia uma pequena
curva e ao alto Kariel pode ver uma grande abertura para o
céu. “Uma saída para nau!”, pensou
em um primeiro momento. “Uma entrada para inimigos!”,
pensou novamente, depois de exercitar sua prudência.
Continuou subindo até os fortes raios de Selûne
o cobrirem com sua iluminação prateada. Saiu
Kariel das entranhas da montanha em direção
as escarpas da rocha, quando teve uma outra surpresa. Do lado
de fora, a cratera não podia ser vista. Simplesmente
não existia. Uma magia, semelhante a usada na entrada
do complexo, cobria a entrada com uma rocha ilusória.
Kariel observou o monte, a floresta ao longe e as estrelas
por alguns minutos e desceu novamente. Agora quis saber o
elfo sobre o abismo que havia abaixo do ancoradouro da nau
voadora. Lançou mão de outro encanto e suavemente
desceu as escarpas da rocha, leve como uma pluma, com a luz
da sua lâmina encantada acesa, emitindo o seu brilho
azulado. Chegou ao fundo, vinte metros de decida depois. Fora
o terreno difícil e extremamente pedregoso, não
havia nada de incomum ou ameaçador. Caminhou mais um
pouco e viu a estreita garganta, um corredor entre a rocha,
por onde Torellan havia fugido. Quando a duração
de seu encanto estava prestes a findar, resolveu subir novamente.
Enquanto isso acontecia,
Limiekki e Bingo procuravam minuciosamente por passagens,
armadilhas ou portas que porventura houvessem ocultas nos
cômodos construídos pelos drows. Examinaram atentamente
cada parede, degrau, porta e piso, observando com o cuidado
e o conhecimento, aperfeiçoados graças às
muitas aventuras anteriores, onde se depararam com mecanismos
escondidos. Após muito olharem por horas, nada encontraram.
Ficaram aliviados. Não haveriam emboscadas ou surpresas
desagradáveis. Enfim, parecia-lhes que o complexo estava
seguro. Resolveram então fazer o levantamento dos pertences
deixados pelos drows, a fim de apresentar mais informações
aos colegas.
Em suas horas de exploração,
Mikhail decidiu checar a sala de reuniões e a biblioteca.
O elfo dourado olhou e reolhou os documentos e mapas dispostos
na mesa, procurando por uma figura, um contorno ou uma indicação
que lhe fosse de alguma forma familiar, mas não obteve
sucesso. Tentou então buscar algum volume na biblioteca
que pudesse lhe ser útil, mas nada. Todos os livros
que puxava da prateleira encontravam-se na difícil
e obscura linguagem drow.
Magnus e Sirius decidiram
retornar para o portal que lhes intrigava. O paladino tinha
dentro de si o forte desejo de destruir aquele artefato mágico,
junto com a gema que o ativava. Somente ele podia sentir a
energia maligna que emanava daquela pedra, que o incomodava
bastante. “Se é maligno deveria ser destruído!”,
era o que pensava o rapaz, que não entendia a preocupação
dos outros em manter aquele objeto intacto. Não tomaria
uma atitude isolada, mas queria se certificar que o arco de
pedra poderia ser destruído caso fosse necessário.
Coletou com o companheiro algumas ferramentas dos drows e
examinou a dureza da rocha. Concluiu que juntos poderiam quebrá-la
e derrubar abaixo o engenho mágico.
Oito horas se passaram.
Lá fora, o céu estava azul novamente e o sol
ainda subia. Finalmente todos estava na sala de reuniões,
discutindo seus achados. Kariel, o mago elfo, foi o primeiro
a descrever o que havia descoberto. Falou sobre a cratera
no topo da montanha, oculta por uma ilusão, do fundo
do abismo que percorreu e da estreita passagem, por onde fugiu
o drow Torrellan.
Após isto, foi
a vez do pequeno Bingo e de Limiekki, o mateiro, fazerem suas
observações. O ranger disse-lhes que havia procurado
junto com o halfling por armadilhas e portas secretas, mas
que nada haviam descoberto. Porém, as revelações
mais impressionantes vieram quando começaram a descrever
o que haviam encontrado nos aposentos daquele lugar. Haviam
jóias, moedas, estatuas de ouro e marfim, braceletes,
mochilas, cordas, roupas, livros, mapas, armaduras, escudos,
espadas, adagas... muitas coisas úteis e valiosas.
Limiekki depositou sobre a mesa de reuniões alguns
destes objetos. Eram armas, belíssimas capas e vestidos
das sacerdotisas mortas.
“Estes itens emanam
magia.”, avaliou Kariel, após espalmar a mão
sobre os pertences negros.
“E eu sinto o mal
que irradia deles”, completou Magnus paladino, usando
um dos seus dons divinos.
Após tais verificações,
decidiram que aqueles pertences deveriam ser destruídos,
afim de evitar alguma influência nefasta. Bingo também
colocou na mesa outros objetos. Era um pequeno saco de couro
e duas mochilas encontradas nas masmorras, de confecção
humana. Os heróis, a princípio relutaram, mas
as abriram e verificaram os conteúdos. Havia cantis,
penas e tinta, um diário e um grimório. O saquinho
foi aberto e revelou uma surpresa: haviam dentro dois pingentes
de Harpista e alguns anéis, um deles mágico,
avaliou o mago novamente.
“Parece que encontramos
enfim os Harpistas desaparecidos!”, disse Mikhail
Arthos sorrateiramente,
recolheu o diário, escondido dos amigos, pois sabia
que seria imediatamente repreendido, e leu alguns trechos.
Não haviam grandes revelações, mas foi
possível entender que os dois homens vieram por conta
própria até Cachoeiras da Adaga, perseguindo
rumores de estranhas movimentações na floresta.
Guardaram novamente os bens dos Harpistas nas mochilas e as
jóias mágicas no pequeno saco de couro e a reunião
prosseguiu com a voz altiva e firme do jovem paladino Magnus.
“Nós verificamos
o portal e ele é de pedra comum e pode ser destruído.
O problema é esta gema mágica.”, disse
Magnus, mostrando a peça vermelha e facetada.
Kariel ergueu a mão
espalmada na direção da pedra e ficou assim
por cinco segundos. O elfo então comunicou aos amigos
que a magia que emanava da pedra era do mesmo tipo da que
os magos se valiam para realizar encantos de teleportes e
portais. O mago então sugeriu novamente que aguardassem
a vinda de Storm Mão Argêntea, também
arcana e sábia das coisas místicas, para uma
melhor avaliação, antes que se tomasse qualquer
atitude mais drástica sobre o destino da jóia
mágica. A idéia foi acatada, ainda que houvesse
um receio de que o portal de pedra, mesmo sem a sua gema e
bloqueado pelo efeito da prece de Mikhail, pudesse ainda servir
como rota de invasão dos drows.
Terminados os relatórios
de inspeção, parecia ser aquela caverna o lugar
perfeito para que a Comitiva da Fé fizesse sua base.
Havia de tudo: acomodações suficientes, armas,
transporte, mesmo laboratório, santuário e biblioteca.
“Enfim, parece que
encontramos um local ideal para nós. Só precisaríamos
de pequenas reformas.”, colocou Arthos.
“Podíamos
contratar alguém para fazer este serviço.”,
sugeriu Limiekki
“Mas, quem? Anões
são muito bons em trabalhar com pedras...”
“Mikhail... não
conheço muitos anões para contratarmos. Vivi
por anos aqui em Cachoeiras da Adaga e vi poucos anões.
Eu mesmo só conheço um.”, disse Limiekki.
“Bem... deixemos
os anões de lado.”, disse Kariel, que achava
os anões um tanto impulsivos e rudes. Coisa de elfo.
Em seguida fez uma proposta. “Levarei os Harpistas daqui
para o Vale das Sombras. De lá irei àquela pequena
vila de gnomos, Stormpenhauer. Aqueles pequenos são
inventivos e hábeis e certamente poderiam fazer um
bom trabalho adaptando esta caverna para nosso uso.”
“Excelente idéia”,
disse Arthos.
“Irei com você,
Kariel.”, ofereceu-se Sirius.
“Enquanto isto,
vou a Cachoeiras da Adaga. Informarei a Lorde Randal sobre
o acontecido aqui e aguardarei o retorno de Storm, para guiá-la
até aqui. Tenho que também levar o orc que prendemos,
para que ele pague perante a justiça pelo seus atos.
Partirei ainda hoje”, falou o decidido Magnus.
“Bem... Enquanto
os Harpistas se recuperam, acho por bem organizarmos um pouco
este lugar. Temos algumas tarefas para fazer e corpos para
sepultar!”, lembrou Limiekki
A reunião então
acabou e os participantes mais uma vez se dispersaram e nada
de grande importância aconteceu nos próximos
dois dias, em que os combalidos homens se fortaleciam e recuperavam-se
dos maus tratos dos drows. Os corpos dos inimigos mortos foram
levados por Magnus e Sirius para a floresta e enterrados em
uma vala, embaixo de um freixo frondoso. Em seguida, o paladino
partiu, rumo a Cachoeiras da Adaga. A comida da despensa e
a água foram vistoriadas por Limiekki e Bingo, e todos
fizeram boas refeições com elas (principalmente
o pequeno, deve-se dizer). O mago Kariel estudou os livros
de magia que encontrou e anotou algumas delas em seu próprio
grimório. Mikhail limpou e preparou o santuário,
que pretendia dedicar a sua divindade e as dos demais amigos.
Já Arthos, barbeou-se pela primeira vez na vida. Tarefa
banal para os homens, era muito estranha para ele, que ainda
se acostumava em não ser mais um elfo. Experimentou
também as belas roupas e sabre que pertenciam a Torellan
e examinou a nau voadora, veículo que sempre havia
sido objeto de seus desejos. E assim caíram as areias
do tempo naqueles dias.
A certa hora da manhã,
Mikhail, o clérigo de Mystra, ouviu ruídos no
quarto onde convalescia um dos Harpistas e abriu a porta.
O mais jovem deles que lá estava deitado, um ruivo,
perguntou as óbvias questões dos desorientados:
“Quem é você?
Onde estamos?”, disse agitadamente, sobressaltado.
“Acalme-se. Chamo-me
Mikhail Velian. Vocês estão sobre o Monte da
Adaga”.
“Os drows?! Onde
estão os drows?”
“Eles não
são mais ameaça. Nós os derrotamos. Você
está seguro.”
“Minha cabeça
ainda gira...”, colocou os dedos da mão direita
sobre a fronte. “Onde está Danicus? E você?
O que faz aqui?”
“Seu colega está
se recuperando em um quarto próximo. Enquanto a mim,
faço parte de um grupo chamado Comitiva da Fé.
Viemos aqui para investigar alguns desaparecimentos e acabamos
por encontrar os orcs e drows. Felizmente os encontramos com
vida.”
O jovem cerrou levemente
os olhos e fez uma estranha pergunta
“O senhor toca a
Harpa!?”
“Sei de que Harpa
fala. Não. Não a toco, mas entre nós
há um que a toca.”
“Ótimo. Desculpe
minha rudeza. Fiz tantas perguntas mas não agradeci.
Sou Klerf Maunader. Obrigado por ter nos salvado.”,
disse enquanto levantava da cama, em passos inseguros. “Pode
me levar até Danicus?”
“Sim. É claro.”,
respondeu Mikhail amparando o homem.
Mikhail levou Klerf até
o quarto de Danicus, que dormia.
“Danicus?!”,
chamou o Harpista o colega, um senhor de meia idade e barba
levemente grisalhas, que abriu os olhos. Naquele momento,
chegou também Arthos.
“Klerf?!”,
disse olhando em volta do quarto. “Quem são vocês?
Um grupo de apoio?. Por quanto tempo ficamos aqui?”.
“Viemos procurar
por vocês e por outros desaparecidos. Estão sob
nossos cuidados há três dias!”
“Precisamos nos
apressar!”, disse o homem, nervoso. “Faerûn
corre perigo! Escutei coisas... um plano maligno dos drows!”
Outro membro da Comitiva
chegou naquele instante. Era Kariel, que passava por perto
e fora atraído pelo som das vozes, que conseguia captar
com sua audição apurada de elfo. Bingo também
o encontrou e o seguiu. Disse logo o mago, após adentrar
a porta e ver os dois Harpistas e os colegas Mikhail e Arthos:
“Boa Tymora! Bom
vê-los bem novamente!”, disse com um leve sorriso.
Em seguida, pôs a mão na bolsa que levava presa
na cintura e dela retirou um saco de couro e entregou ao homem
deitado. “Acho que isto pertence a vocês, colegas!”
Danicus despejou o conteúdo
sobre a palma da mão: um anel e dois pingentes em forma
de harpa, em uma corrente dourada. Penduraram sobre o pescoço
e perceberam que aquele elfo de cabelos azuis também
usava um do mesmo tipo.
“É bom ver
que temos um de nós entre vocês. Quem os enviou?
O comando de Berdusk?”, questionou Danicus.
“Não. Recebemos
a missão de Storm Mão Argêntea.”,
comunicou Kariel.
“Storm Mão
Argêntea? Ela os enviou? Perdoem-me, mas quem são
vocês para conhecerem a senhora Storm?”
“Nos conhecem por
Comitiva da Fé. Há mais três de nós
em nosso grupo que não estão nesta sala.”,
respondeu Arthos.
“A Comitiva da Fé?
Do Vale das Sombras? Os pupilos de Elminster, o Sábio?
Os que combateram até mesmo a Bane em pessoa, o Deus
do Conflito e da Tirania? Não posso acreditar!”
Os aventureiros sorriram.
Não estavam acostumados a serem reconhecidos pelos
seus feitos, ainda mais de maneira tão eloqüente.
A resposta, simples, foi dita por Arthos.
“Err... Sim. Somos
nós!”
“Então Tymora
nos deu uma grande sorte, pois acho que os Reinos precisam
muito de vocês. Precisamos evitar o que está
para acontecer!”
“O que há
de tão grave?”, perguntou Kariel.
“Meu jovem elfo,
deixe contar-lhe do início. Chegaram aos nossos ouvidos,
em Berdusk, rumores que batedores drows haviam sido vistos
por esta região. Não é comum vermos drows
na superfície e por isto fiquei intrigado. Infelizmente,
os Harpistas não possuíam condições
no momento de realizar uma investigação, então
eu mesmo me propus a fazê-la, junto com meu colega Klerf.
Eu estava também cansado de lecionar e, decidi empreender
esta viagem para obter mais do conhecimento vivo que está
fora dos livros.”
Klerf complementou o relato
do seu acadêmico amigo, enquanto este fez uma pausa
para ajeitar-se melhor na cama.
“Chegamos aqui há
alguns meses, creio. Não estou bem certo pois perdemos
a noção do tempo. Investigávamos na floresta,
onde montamos um posto avançado, na verdade, uma pequena
cabana. Um certo dia, enquanto caminhávamos próximos
a esta montanha, fomos surpreendidos por encantos e acordamos
na prisão em que nos encontraram.”
“O que os nossos
captores não sabiam, porém, é que conheço
um encantamento que me permite entender a língua drow.”,
retomou Danicus. “Ouvi muitas coisas... Existe um plano
em curso, ao qual chamam A Retomada. Consiste na construção
de diversos portais entre o Subterrâneo e os Reinos.
Os drows querem iniciar uma invasão à superfície
e retomar os lugares, que em tempos ancestrais, os pertenciam.”
“Li algo a respeito
em mapas e planos deixados na biblioteca deste complexo.”,
comentou Kariel, que também conhecia o encanto usado
por Danicus.
Bingo, que havia saído
por alguns minutos durante a conversa, voltou com uma bandeja
e duas xícaras de chá, que ofereceu aos hóspedes
da Comitiva.
“Precisamos descobrir
mais sobre isto o quanto antes. Precisamos saber se esta invasão
já está acontecendo. Devemos avisar os Harpistas...”,
disse Danicus, enquanto tentava se levantar. Porém,
não era jovem como seu companheiro Klerf e as pernas,
sem a energia necessária, fraquejaram e o devolveram
à cama.
“Calma, senhor”,
Mikhail se aproximou. “Ficou muito tempo desacordado
e ainda não se recuperou. Aguarde um pouco mais.”
“Sim. Storm deverá
estar aqui em breve. Poderemos decifrar juntos tais planos.”,
falou Kariel
“E em relação
aos outros desaparecidos? Os do Vale da Adaga? Têm alguma
notícia deles?”, quis saber Arthos.
“Não sei
ao certo, mas temo que estejam mortos.”, disse Klerf.
Lembraram então
do altar de Lolth e do sangue que encontraram. Os infelizes
cativos deveriam certamente ter encontrado a morte para honrar
a Deusa Aranha.
“Você falou
a respeito de uma biblioteca com mapas e livros. Poderíamos
vê-la? Talvez nos dê algumas informações.”
Kariel concordou, mas
Mikhail sugeriu que fossem mais tarde, após a refeição
do meio-dia, afinal Danicus precisava ainda recuperar mais
de suas energias. E assim, poucas horas depois, estavam todos
na sala, em torno da grande mesa de pedra escura. Danicus
havia lançado sobre si o encantamento que lhe permitia
ler a escrita drow e estava debruçado sobre o imenso
mapa. Apontou uma marca esverdeada e falou:
“Pelo que entendi,
é um mapa do Subterrâneo. Estamos aqui”,
disse mostrando. “Está escrito ‘Casa dos
Millithor’! Existem também indicações
sobre algo que não conheço, lugares chamados
‘faerzress’. Estão marcados também
outros pontos onde existem portais. O lugar mais próximo,
a alguns dias daqui, chama-se Maerimydra. Um outro chamado
Undrek’Toz é o seguinte. São ao todo oito
portais e o percurso termina em um local do qual já
ouvi falar: uma cidade drow chamada Menzoberranzan, onde fica
o último deles.”
“Talvez deste portal
possa se partir para os demais. Pode ser que esta Menzoberranzan
seja o ponto central.”, supôs Mikhail.
“Temos que desativar
estes portais e impedir esta invasão. Porém
não sei como poderemos nos mover nestes corredores
do Subterrâneo.”, colocou Klerf.
“Em um nível
mais abaixo neste complexo, temos um porto e nele uma nau
voadora que os drows que viviam aqui usavam. Não sabemos
como controlá-la, mas através dela poderíamos
percorrer uma passagem que encontramos e que segue por dentro
destas cavernas.”
“Uma nau voadora?!
Que interessante. Como a magia drow pode ser versátil!
Nunca poderia imaginar que usariam uma nau voadora para percorrer
o Subterrâneo! Este é um lugar misterioso que
eu sempre quis conhecer, acho que chegou a hora. Gostaria
de ver o portal. Podem-me levar até ele?”, pediu
Danicus.
A Comitiva prontamente
atendeu e em poucos minutos estavam diante do portal. Danicus
conjurou um encanto e leu as runas. Em seguida examinou a
pedra mística. Gastou um quarto de hora, até
que finalmente disse:
“Este é um
portal de mão dupla e a gema colocada no orifício
o faz funcionar. Está desativado, mas nada impede que
esta ou outra pedra seja inserida novamente e o ative.”
“Mesmo com o encanto
que coloquei sobre ele?”, perguntou Mikhail, sobre a
parede de rocha que fez surgir no vão do arco de pedra.
“O encanto que habilmente
executou, infelizmente pode ser sobrepujado por algum outro.”,
respondeu Danicus.
“Então a
destruição do portal é a nossa única
segurança, correto?”
“Sim, jovem elfo.”,
respondeu o professor Harpista, desta vez à Kariel.
“Ah... então
deixe-me fazer uma coisa!”, disse Sirius, em um ímpeto.
Pegou um martelo, ferramenta
deixada pelos drows, e a jóia. Rapidamente, antes que
os colegas pudessem reagir, desferiu um poderoso golpe. A
pedra explodiu em fragmentos e a energia liberada por ela
fez cair longe o guerreiro.
“Sirius, inconseqüente!”,
Kariel admoestou o amigo. “Não se destrói
um artefato mágico desta forma!”
“Poderia ter se
matado e a nós!”, completou Mikhail, o clérigo
da Deusa da Magia.
“Ufff!”, Sirius
só pode responder isto, levantando-se do chão.
“Vamos nos concentrar
em destruir o portal! Ele é de pedra. E pedra pode
ser partida!”, Colocou Limiekki, pegando uma marreta.
Ficaram então Limiekki,
Sirius e Klerf batendo e despedaçando a rocha negra
que compunha aos arcos do portal. Arthos então pediu
ao sábio Danicus para que fosse examinar a nau voadora
e assim foram, acompanhados dos membros restantes da Comitiva.
O homem se maravilhou com a bela embarcação
e nela entrou. Percebeu magia em uma poltrona e em um capacete
que encontrou na cabina. Mas sua sabedoria, infelizmente,
não abrangia os conhecimentos que Arthos tanto gostaria
de aprender.
“Companheiros. Infelizmente
não sei como pilotar esta nau. Talvez a senhora Storm,
que já viveu em Evereska, um reino élfico que
existe ao oeste e em que se usa tais transportes, possa dar
alguma contribuição!”
“Sou evereskano...”,
disse Mikhail, elfo de cabelos dourados, “... mas não
entendo como manejar esta nau. Espero que Storm tenha melhor
sorte.”
“Evereskano! Incrível.
Sempre quis visitar tal lugar. Será que me conseguiria
uma autorização?”, pediu Danicus.
“Não posso
garantir. Meu povo não é muito tolerante com
outras raças.”, respondeu Mikhail.
“É... eu
é que não vou mais naquele lugar!”, bradou
Arthos.
Sorriram Kariel e Mikhail
“Não se preocupe,
amigo. Você não chegaria nem a cem metros dos
portões de Evereska!”, disse Mikhail.
“Não entendi!”,
exclamou Danicus. “Porquê?”
“Não queira
saber. É uma longa história!”, falou Kariel.
“Só nos resta aguardar Storm de qualquer forma.”
“Sugiro retornarmos
às nossas atividades e investigações
na biblioteca! Assim ganharemos conhecimento enquanto aguardamos.”,
colocou Danicus.
E assim foram os membros
da Comitiva e o professor, enquanto os outros destruíam
o portal. Kariel e Danicus ficaram mais tempo lendo, por possuírem
a dádiva de poderem conjurar o sortilégio decifrador
de línguas. O professor encontrou um livro e descobriu
o que eram os ‘faerzress’. Segundo a pesquisa,
o faerzress é um ponto natural, uma fonte que irradia
uma forte magia, que faz que os encantos conjurados em sua
área sejam mais poderosos ou adquiram comportamentos
imprevisíveis. Ficaram por mais uma hora, quando receberam
uma esperada visita. Vinha com ela o paladino Magnus, Bingo
e Limiekki.
“Professor Danicus!
Graças a Mystra está vivo! Sempre tive muitas
esperanças de revê-lo.”, disse Storm Mão
Argêntea.
“Também fico
feliz em vê-la!”, Danicus retrucou em uma vênia
com a cabeça.
“Kariel... pode
me informar melhor o que aconteceu?”
“Estamos em um complexo
drow, provavelmente um posto, que era ocupado pelo clã
Millithor, o responsável pelos desaparecimentos. Encontramos
alguns planos de uma operação chamada de ‘A
Retomada’. Ao que parece, é uma grande investida
drow contra a superfície.”, respondeu o elfo.
“Minha senhora,
deixe-me alertá-la para a gravidade do que está
acontecendo. Existe um plano dos drows para um deslocamento
em massa para superfície, através de portais.
Estou tentando coletar dados o mais rápido que posso.
Sugiro que façamos uma reunião com os Harpistas
e estabeleçamos uma estratégia!”
“Concordo, Danicus,
mas para convencer os Harpistas da necessidade de uma grande
operação, teremos que ter mais conhecimento.
Sugiro que estudemos mais. Irei ajudá-lo, mas antes
gostaria de saber da Comitiva se existe mais alguma coisa
que precisa ser informada.”
Os aventureiros então
comentaram sobre seu desejo de tornar aquela caverna em uma
base de operações da Comitiva da Fé e,
eventualmente, dos próprios Harpistas, após
algumas alterações. A Mestre Harpista também
foi informada do estranho cessar dos poderes da sacerdotisa
drow e de seu suicídio, coisa que Storm considerou
estranha. Depois disto, voltaram Kariel, Danicus e Storm aos
estudos e os outros aos seus treinamentos e afazeres dentro
da caverna.. Assim, mais duas luas e dois sóis passaram
por sobre a Montanha da Adaga.
Durante este período,
muito se aprendeu sobre a cultura drow e sobre os seus planos
de dominação. Os drows, segundo estudaram, viviam
em uma sociedade matriarcal, violenta e militarista, dividida
por clãs, onde a supremacia de uma Casa sobre a outra
se constituía no principal motor social. Sobre os esquemas
dos elfos da escuridão, leram o diário da sacerdotisa
Ki’Willis. Encontraram uma menção sobre
uma reunião entre as mais poderosas Casas drows, adoradoras
da deusa Lolth. A Casa Millithor estava entre elas, porém
em uma posição de pouco prestígio. Havia
uma ordem de poder entre os clãs e o da sacerdotisa
Ki’Willis estava na vigésima segunda posição,
ameaçado de ser ultrapassado, destruído ou absorvido
por outras Casas, segundo o costume drow. Um plano audacioso
foi apresentado naquele dia, nas cavernas escuras de Menzoberanzan:
exércitos partiriam através de portais, das
principais cidades do Subterrâneo, para a superfície
e iniciaram assim a Retomada. Para tanto, acordos teriam que
ser feitos entre as cidades, os portais teriam que ser construídos
e as chaves, gemas imbuídas de poder mágico,
deveriam ser entregues em cada um destes lugares. A Casa Milithor
ofereceu-se para a última missão e para construir
um posto avançado nos Vales. Porém isto obrigaria
os principais membros do clã a deixarem o Subterrâneo
e perderem o status de Casa e, consequentemente, seu exército
e grande parte de sua riqueza, que seriam apoderados por outros
clãs. Era uma decisão difícil e arriscada,
mas a matrona dos Millithor pensava em adquirir mais prestígio
e que, com o sucesso do esquema, pudesse ascender novamente,
dominar a região dos Vales e mesmo estabelecer um reino.
Tal sacrifício, indesejado pelas demais casas, fez
com que os Millithor conseguissem a aprovação
de seu pedido.
E assim partiram, com
as jóias místicas e instruções
para construção dos portais, que segundo recomendações
dos magos dos clãs, deveriam ser construídos
próximos aos faerzress, com vistas a maximizar o seu
poder. De Menzoberranzan foram à cidade de Ch’Chitl,
esta á única cidade do acordo habitada não
por drows, mas por outros seres conhecidos como ilítides,
dos quais Storm e Danicus apenas conheciam rumores. Seguiram
com sua missão por Ched Nasad, depois por Sshamath,
a maior das cidades drow, e de lá para T’Lindhet,
um pequeno povoamento, quase que uma fortaleza, e por fim
para Undrek’Toz e Maerimydra, ponto mais próximo
do Monte da Adaga. Segundo contaram as palavras escritas em
tinta negra, a missão teve sucesso, a cerca de cem
anos passados.
A apreensão tomou
conta dos que sentavam nas cadeiras da sala de reuniões
do complexo. Se o plano de invasão havia começado
a tanto tempo, poderiam estes portais estarem sendo terminados
ou mesmo estar concluídos. Poderiam os drows estar
somente esperando o momento certo para levar a morte e a guerra
pela superfície. Storm chamou os outros membros da
Comitiva, contou-lhes sobre a pesquisa e disse-lhes:
“A situação
é bastante séria, pelo que lemos. Deveremos
avisar sobre esta ameaça e tentar evitá-la.
Enquanto li, esbocei um plano. Temos o transporte e os mapas.
Poderemos seguir o caminho dos Milithor, disfarçados
como eles, e ir a cada uma destas cidades, tentar provocar
a destruição ou a inutilização
dos portais.”
“Mas quanto ao tal
Torrellan? Ele fugiu e pode nos denunciar!”, preocupou-se
Mikhail.
“E tem quase uma
semana de vantagem sobre nós!”, acrescentou Limiekki.
“Segundo vocês
me relataram, ele fugiu em uma pequena nau. Não acredito
que tenha autonomia suficiente para chegar até a cidade
drow mais próxima, ou mesmo que este fugitivo consiga
chegar ao seu destino em segurança, devido aos perigos
do percurso. Porém não temos muitas escolhas.
Gostariam que todos vissem o mapa.”, disse a mulher,
de cabelos prateados, desenrolando o mapa drow já decifrado.
Apontou o local onde estavam,
perto de um dos chamados faerzress. A cidade de Maerimydra
era a mais próxima. Mostrou as demais cidades, corredores,
lagos, os símbolos indicando os portais, além
de regiões de anões e outros seres, como por
exemplo, os hostis duegares, e monstros desconhecidos.
“Parece que vai
ser uma viagem e tanto!”, exclamou Arthos.
“Senhora Storm.
Não sou eu um aventureiro como estes da famosa Comitiva
da Fé, mas, como professor desejoso de conhecimento,
peço para ir com vocês nesta empreitada.”,
pediu Danicus.
“Danicus... meu
voto é seu, mas temos que consultar outros.”,
respondeu Storm. “Comitiva,
partiremos eu, o professor Danicus e Klerf imediatamente para
Berdusk, onde falaremos com as autoridades Harpistas. Peço-lhes
que fiquem aqui e tentem aprender o que for possível
dos costumes drows e se habituar com estas cavernas, pois
serão nosso habitat durante muito tempo. Se desejarem
entrar em contato com os gnomos, como me disseram, sugiro
que o façam agora, aproveitando nossa partida, pois
quando voltarmos não haverá mais tempo.”
“Enquanto a nau?
Como iremos pilotá-la?”, perguntou Mikhail, oportuno.
“Depois de Berdusk,
iremos à Evereska. Lá encontraremos um condutor
para ir conosco.”
“Acredito que devemos
avisar ao Lorde Randal sobre o que está acontecendo,
já que estamos em suas terras!”, opinou Magnus,
paladino de Helm.
“Podemos ir juntos,
eu você e Sirius, até Cachoeiras da Adaga e de
lá rumamos para Stormpenhauer”, sugeriu Kariel.
“Certo! Vamos partir
logo, então. Existem alguns cavalos nos estábulos
próximos à entrada da caverna!”, disse
Sirius.
“Nos encontramos
aqui. Que Mystra nos guie!”, desejou Storm.
Storm, Danicus e Klerf
pegaram seus pertences e a mulher conjurou um encanto e assim
suas figuras esmaeceram e desapareceram da sala. Kariel, Sirius
e Magnus também apressaram-se a ir recolher suas coisas
e equipar os cavalos disponíveis para a curta viagem
que fariam. Pediram aos demais que seguissem as orientações
de Storm e que já preparassem a nau, enchendo seus
porões com os suprimentos que fossem necessários
e disponíveis.
Uma Pequena Viagem
Era
o início do dia quando os três cavalos partiram.
Chegaram no castelo do Lorde Randal Morn duas horas depois.
Explicaram tudo que sabiam sobre o plano dos drows, em tempo
que também solicitaram sigilo. Estas informações,
em ouvidos errados, poderiam se transformar em perigo ou mesmo
pânico. Os três também deram a triste notícia
de que não nutriam mais esperanças de encontrar
os desaparecidos. Randal lamentou, mas agradeceu à
Comitiva pelo empenho. Desejou também boa sorte e colocou-se
e o seu Vale à disposição da Comitiva,
caso algo fosse necessário para sua perigosa missão.
Os três então partiram, encerrando a curta estada.
Não queriam desperdiçar tempo e nem permanecer
à noite no meio da Floresta das Aranhas, local cujo
nome não é de bom agouro.
Passaram
próximo ao Vale das Sombras e desejaram ficar um pouco
mais, conversar com velhos amigos e ver lugares conhecidos,
mas talvez tivessem tempo no retorno, pois era lá onde
planejavam dormir antes de voltar. Então foram em frente,
descendo estrada ao sul. Entraram na floresta, procurando
lembrar do caminho. Foram apreensivos por conta dos perigos,
mas por sorte de Tymora, não somente evitaram qualquer
criatura hostil, como encontraram a pequena, bela e ao mesmo
tempo curiosa vila de Stormpenhauer. Foram recebidos pelos
pequenos gnomos, de lanças na mão. Porém,
o chefe daqueles sentinelas era conhecido da Comitiva. Chamava-se
Madarn. Recebeu os três com abraços (o que custou
um pouco aos seus narizes, já que Madarn não
era o que se poderia chamar de um adepto religioso dos banhos)
e logo as lanças e a cautela foram substituídas
por uma gritaria de pequenos gnomos crianças, do tamanho
da canela de um homem, que brincavam e se empurravam, querendo
ver os “grandões” que chegavam. Os viajantes
pediram para ir até a cabana de Telimas Tecedor de
Sonhos, líder daquele povoado.
“Amigos
da Comitiva! Sejam bem-vindos de novo!”, disse o gnomo
gordinho, narigudo e barbudo, que fumava em um cachimbo bem
comprido uma erva de cheiro doce e agradável. “O
que os trazem até aqui?”
Madarn,
note-se, ia enquanto isto na despensa da casa do chefe, pelo
qual tinha grande amizade e afeição, mas nenhum
espírito de hierarquia, e pegou por sua conta chá,
vinho e biscoitos e serviu aos recém chegados.
“Precisamos
de suas habilidades, amigos gnomos. Encontramos mais ao norte,
nas terras do Vale da Adaga, uma caverna dentro de um monte.
Era uma base de operações de inimigos que tomamos
para nós. Gostaríamos que vocês a tornassem,
com sua engenhosidade e criatividade, em um lugar mais confortável
e útil.”
Telimas sorriu e tragou um pouco de seu cachimbo.
“Nós
gostamos muito de construir coisas. Acho que será muito
bom e divertido reformar este lugar. Mas nosso povo precisa
de alimentos e dinheiro. E precisaremos comprar madeira, fazer
cordas, martelos, pranchetas, polias, correias, esquadros,
cunhas...”
“Não
se preocupe!”, falou Kariel, interrompendo a interminável
seqüência de itens. “Vocês
serão muito bem recompensados e terão o necessário
para fazer o que acharem por bem.”
“Viu,
Telimas! Eles têm dinheiro, não se preocupe.
Err...vocês têm, não têm?”,
perguntou Madarn.
“Temos.
Moedas de ouro, prata e cobre, estátuas e gemas.”,
respondeu Sirius.
“Mas
existe um problema!”, colocou Telimas. “Se deslocarmos
uma boa quantidade de gnomos para trabalhar fora daqui, nossa
vila ficará indefesa. Sabem que nós moramos
em uma floresta infestada de aranhas e temos que ficar de
prontidão para repelir qualquer destas criaturas.”
“Só
sei que eu vou!”, bradou Madarn.
“Mas
Madarn... você é o líder dos guardas aqui.
Se for, como vamos fazer no caso de aparecer alguma aranha?”
“Pô,
Telimas... já ensinei todo que sei... esses trouxas
sabem o que fazer!”, respondeu contrariado o gnomo,
que estava ávido por uma aventura.
“Não
sei... ainda acho muito perigoso. Vocês têm alguma
idéia?”
“Tenho
uma.”, colocou Magnus. “Podemos contratar mercenários.
Existem alguns anões que ficam de vez quando perambulando
na taverna O Velho Crânio, no Vale das Sombras, em busca
de serviço. Poderíamos pagá-los para
ficarem aqui, protegendo a vila, enquanto os gnomos trabalham.”
“Então
podemos ir ao Vale das Sombras, retornamos com estes mercenários
e iremos com os gnomos até o Monte da Adaga.”,
sintetizou Kariel os próximos movimentos.
“O
que acha, senhor Telimas?”, perguntou o paladino.
“Concordo.
Se garantirem proteção e pagamento justo, garanto
os trabalhadores.”, falou o líder dos gnomos
de Stormpenhauer, selando assim o acordo.
Os
três aventureiros então retornaram, em direção
do Vale das Sombras. Após cavalgarem por cinco horas,
chegaram, próximo ao crepúsculo, ao Vale que
chamavam de lar. Encontraram aquela familiar cidade de casas
de argamassa e madeira, nas cores branca e negra. A construção
da muralha que deveria cercar a cidade estava ainda no princípio,
e talvez durasse ainda muitos meses ou mesmo anos. Tomaram
a via em que levava ao Velho Crânio, a mais conhecida
taverna deste Vale, que ficava no sopé de uma rocha
de mesmo nome. Entraram no movimentado ambiente, onde bebiam
camponeses, trabalhadores do comércio, soldados, aventureiros,
viajantes e, é claro, mercenários. Mas não
era um lugar sujo e barulhento, com brigas e arruaças,
como muitas pelos Reinos. A Velho Crânio conseguia manter-se
respeitável e tranqüila, graças ao esforço
do proprietário, dos homens de bem e dos soldados do
Vale das Sombras, que costumavam impedir os excessos e afastar
eventuais malfeitores. O trio dirigiu-se ao balcão
onde estava o taverneiro, Cowel Lorier, um homem gordo, careca
e barbudo, conhecedor de muitas histórias sobre a região
dos Vales. Já o conheciam, pois quando permaneciam
mais tempo na cidade, vez ou outra apareciam por lá,
seja para conversar e provar da cerveja escura e encorpada,
como para saber de notícias e rumores.
“Elfo,
está sumido do Vale das Sombras!”, falou à
Kariel.
“Salve
Cowel. Sim, é verdade. E temo que ficarei mais tempo
distante resolvendo uns assuntos.”
“Uma
missão, certo. Com a Comitiva, não é?”
“Sim.
Isto mesmo!”
“Magnus
e Sirius... é um prazer revê-los também.
Por favor, sentem-se.”, disse, saindo do balcão
e oferecendo uma mesa. Os aventureiros não chegaram
a sentar, pois pretendiam abreviar a conversa. Cowel então
perguntou: “O que posso fazer por vocês?”
“Precisamos
de alguns braços armados, Cowel.”, respondeu
Sirius.
“Vão
atrás do dragão?”
“Dragão?!
Que dragão!?”, perguntou, curioso, Magnus.
“Parece
que existe um dragão incomodando na floresta. Querem
reunir um exército para acabar com ele! É por
isto que estão aqui, não?”
“Não,
Cowel. Precisamos de homens para defender uma aldeia de gnomos,
ao sul daqui, na Floresta das Aranhas.”, colocou Kariel.
“Não sabemos desta história sobre um dragão,
e infelizmente nada poderemos fazer a respeito.”
“Humm...
você fala da vila de Stropi... Strospem... Stomperraun...”
“Stormpenhauer!”,
completou o elfo de cabelos azuis. “Precisamos deslocar
alguns gnomos para prestar-nos um serviço e para não
deixar a sua vila desguarnecida, precisamos contratar alguns
mercenários para proteger o lugar.”
“Pensei
em alguns anões, que geralmente possuem bons relacionamentos
com os gnomos e são confiáveis. Por acaso conhecem
alguns que possam nos ajudar?”, questionou Magnus.
“Conheço
muitos mercenários, mas os melhores e mais confiáveis
são aqueles que querem entrar para a guarda da cidade.
Eles ganhariam de duas à seis peças de prata
por dia, dependendo da experiência e habilidade o valor
pode aumentar! Se puderem pagar bem, acredito que irão
com vocês!”
Os
três conversaram e negociaram com Cowel. Como tinham
dinheiro, decidiram contratar os melhores e ter os melhores
não custava barato: teriam dez contratados; nove guerreiros,
cinco deles anões e quatro homens, e um clérigo
de Tempus, também humano, o que lhes custariam ao todo
doze peças de ouro e uma de prata por dia de trabalho.
Deram também, a título de gratificação
pela intermediação, cinco peças de outro
a Cowel, que enviou por um garoto de recados o pedido para
que os mercenários comparecessem, prontos, à
taverna. Demoraram cerca de quarenta minutos e lá estavam
todos, trajados e armados, na porta da Velho Crânio.
O líder do grupo era um anão chamado Clarinak
Barba de Fogo.
“Pronto.
Compraremos alguns mantimentos e podemos retornar à
Stormpenhauer.”
“Magnus,
se importaria de ir à frente? Gostaria de rever meu
filho antes de partir.”, pediu Kariel.
Magnus
entendeu a preocupação do amigo. Afinal, a Comitiva
viajava por meses e cada missão poderia ser a derradeira.
Nestas horas, ficava aliviado de não ter uma esposa
que pudesse ser sua viúva ou um filho que pudesse vir
a ser seu órfão. O paladino pôs a mão
coberta pela luva de ferro polido no ombro do amigo e disse-lhe.
“Veja
seu filho, Kariel. Nos encontraremos no Monte da Adaga!”
Cumprimentaram-se
e desejaram-se votos de boa sorte. E assim, o pequeno destacamento
partiu para o sul, ao encontro dos gnomos, enquanto Selûne,
cheia e radiante, revelava-se no céu já escuro.
Um Reencontro
Kariel
então rumou para a igreja de Mystra, pequeno templo
erguido pelo seu grande amigo e ex-companheiro de aventuras,
o mago Kelta Westingale, de quem sentia falta. Era tarde,
mas talvez ainda o encontrasse, quem sabe ensinando um pouco
dos ofícios místicos aos jovens do Vale ou ajudando
a curar algum doente com seu conhecimento sobre ervas. Kelta
era também o tutor do seu filho, e por isto encontrá-lo
era também uma dupla alegria. Chegou a igreja de pedra,
de janelas altas e mosaicos de vidro. Uma folha de seu portão
duplo estava aberta e as velas e tochas iluminavam a nave
da igreja. Kariel viu novamente os bancos de madeira e a bela
e grande figura de Mystra, esculpida em rocha, cuja imagem,
jurava Kelta, era a perfeita semelhança da deusa, que
conhecera em uma de suas maiores aventuras. Entrou e foi até
uma sala, anexa ao local do culto e de lá subiu uma
escada. No andar superior, encontrou Wondyr, um clérigo
da Deusa, e quatro adolescentes, sentados em uma mesa de madeira,
com livros abertos.
“Com
licença!”
O sacerdote levantou-se. Mirou a face do recém-chegado
e lembrou do elfo que conhecera meses atrás.
“Salve,
Kariel.”, respondeu cordialmente o homem. “Alunos...
este é Kariel, poderoso mago da Comitiva da Fé.
Ele foi escolhido por nossa própria Deusa para ser
um de seus discípulos!”
Os
jovens olharam com espanto e admiração e saudaram
o elfo, que estava um tanto desconcertado com a apresentação.
“Wondyr...
procuro meu amigo Kelta.”
“Kelta
já deixou a igreja. Deve estar em casa a esta hora!”
“Muito
obrigado e desculpe-me a interrupção. Adeus
e que Mystra os guie em seus estudos.”, disse o mago
elfo de cabelos azuis, despedindo-se.
Quase
uma hora a cavalo Kariel chegara numa floresta ao qual era
protegida pelos deuses da natureza. Sua natureza mágica
impedia a entrada de seres com má índole. Era
conhecida por Bosque dos Druidas, lugar este habitado por
um círculo de sacerdotes da natureza, alguns camponeses
e criaturas silvestres. Tomou um caminho e ao longe conseguia
ver seu objetivo.
A
casa de Kelta, que possuía dois andares e era feita
de pedra e rodeada por uma varanda. O próprio Kariel
tinha lá uma pequena torre, a algumas dezenas de metros
da casa do amigo, que se encontrava trancada devido a sua
ausência.
O
elfo bateu na porta de madeira e um menino de cabelos negros,
pele muito clara, olhos intensamente azuis e orelhas levemente
pontudas, abriu a porta. Era Zender, seu filho e da druida
Ênia. O belo menino aparentava sete anos de idade, apesar
de ter doze, conseqüência de sua herança
élfica, que o faria viver bem mais do que todos os
seus amigos humanos.
“Como
está, filho? Tem se comportado?”
“Estou
bem, pai! Sou comportado. Pode perguntar a meu tio! Estava
com saudades!”
Zender
abriu um sorriso, abraçou Kariel, que o ergueu por
alguns eternos minutos, enquanto também sorria. Depois
o pôs no chão e o garoto saiu correndo para dentro
da casa.
“Tio
Kelta! Tio Kelta! Venha ver quem está aqui!”
Kelta,
um homem maduro, alto e de compridos cabelos negros, chegou
a porta e viu o velho amigo.
“Kariel!
Seja bem vindo!”, disse, dando-lhe um cordial abraço.
“Por favor, entre!”
Kariel
foi conduzido até a sala e sentou com o companheiro
de muitas viagens ao redor de uma mesa.
“É
muito bom revê-los.”
“Como
vai você, Kariel? Faz muito tempo não o vejo!
E os outros... onde estão?”
“Estou
bem e os demais também. Estão fazendo alguns
preparativos para nossa próxima missão. Temo
que ficará sem nos ver por mais um bom tempo. Tive
sorte de poder vir aqui e reencontrá-los.”
“No
que estão envolvidos? Conte-me!”, quis saber,
curioso, o homem.
Neste
instante chegou a sala Coral, esposa de Kelta. Cumprimentou
Kariel e ficou de longe observando a conversa dos dois. Tinha
receio de que o marido pudesse, de repente, largar sua aposentadoria
dos tempos de aventuras e meter-se novamente em perigos.
“Descobrimos
um esquema dos drows para invadir a superfície. Iremos
percorrer um local chamado Subterrâneo, uma rede imensa
de cavernas e túneis, para tentar frustar estes planos.”
“Vocês
vão para o Subterrâneo!?”
“Sim...
conhece algo a respeito?”
“Elminster
uma vez me falou que o Subterrâneo é um mundo
que existe debaixo do nosso mundo e que também é
conhecido como o Submundo das Trevas. É onde ficam
as cidades drow. Devo avisá-lo de que isto é
muito perigoso. Não gostaria de ir lá novamente.”
Kelta
e Kariel não perceberam, mas Coral suspirou e um pequeno
sorriso repuxou seus lábios ao ouvir as últimas
palavras do marido.
“Eu
sei, amigo, mas a Comitiva não tem muitas escolhas.
Tymora nos coloca o destino e nós temos que seguí-lo.
Storm irá conosco.”
“Isto
me tranqüiliza um pouco. Storm é uma poderosa
aliada.”
“Diga-me...
como é este Subterrâneo? Devemos percorrê-lo
usando uma nau voadora que encontramos! Aliás, sabe
como pilotar uma delas, Kelta?”
“Não.
Quem possuía este conhecimento não está
mais entre nós. Era o nosso falecido amigo Feargal.
Você não vai acreditar como ele aprendeu. Foi
numa viagem que fizemos em uma destas embarcações.
Fomos além de Toril, pelas estrelas, conduzidos por
um ser chamado Blotamus, encontramos outros seres e outros
mundos. Você sabia que os mundos, quando vistos pelas
estrelas, são esféricos como Selûne que
brilha na noite de hoje?”
“Sempre
pensei que os mundos fossem planos!”, admirou-se o elfo.
“Amigo... você retornou no tempo, conheceu Deuses,
viajou pelo espaço! Gostaria de ter estado nestas aventuras!”
“Bem...
agora será a sua vez de continuá-las! Ah...
lembrei-me de que encontrei uma criatura conhecida como devoradores
de mentes neste período. Elas existem no Subterrâneo.”
“São
chamados, por acaso, dueagares ou ilítides? Storm leu
o nome destas criaturas nos planos que encontramos.”
“São
os ilítides. Não se aproxime deles. Eles têm
uma força incomum e podem segurar suas vítimas
com quatro tentáculos que possuem na altura da boca
e depois absorver seu cérebro. Já os dueagares
são um tipo monstruoso de anões. São
para os anões o que os drows são para os elfos
. Tenha muito cuidado com os dois.”
“Criaturas
com quatro tentáculos na altura da boca...”,
enquanto repetia, a mente de Kariel fazia conexões
com uma descoberta que haviam feito meses atrás. “Encontramos
ruínas muito antigas, e nelas haviam inscrições
contando que seres de quatro línguas, que vieram das
estrelas e trouxeram o segredo do uso da magia para Toril.
Será que se referiam aos tais ilítides?”
“É
provável. Se vocês encontraram a indicação
da origem do conhecimento sobre magia em nosso mundo nestas
ruínas, talvez esta seja uma das maiores descobertas
arqueológicas de todos os tempos! Contou isto para
alguém?”
“O
Coronal Eltargrim, dos elfos de Cormanthor e Khelben sabem.
A propósito, ele disse que não vai cobrar sobre
a destruição que fez na torre dele.”,
disse sorrindo, lembrando que, há muitos anos, o amigo
havia posto fogo na torre do Arquimago de Águas Profundas.
“Pelo
menos isto mostra que ele esqueceu aquilo!”, comentou
Kelta, também achando graça.
“Existe
algo mais que deve saber para que não se surpreenda:
nosso amigo Arthos, em uma de nossas andanças, cometeu
um grave crime em Evereska...”
“Ele
está morto?! Não me diga isto!”
“Não,
mas ele foi transformado em um humano como castigo!”
Kelta
imediatamente gargalhou.
“Não
ria, Kelta. Isto é sério!”, protestou
Kariel, sem, contudo, se aborrecer.
“Me
perdoe, Kariel!”, disse Kelta se refazendo. “Mas
isto é uma grande ironia... Arthos nunca foi um modelo
de elfo e foi condenado a ser aquilo que sempre foi por dentro.”
Kelta lembrou-se de algo e suas feições tornaram-se
mais sérias. “Enquanto a Diana? Ele já
superou o que aconteceu em Águas Profundas?”
“Certamente
não, mas atualmente parece melhor. Acho que as transformações
de ser um humano devem estar ocupando sua mente. Devo ir agora...”,
disse Kariel levantando-se.
“Fique.
Não pode viajar agora a noite. Deixe para ir pela manhã.”
Kariel
ponderou e resolveu ficar. Magnus também só
chegaria no Monte da Adaga no dia seguinte. Permaneceu então
na casa de Kelta naquela noite, onde os dois amigos conversaram
sobre suas vidas e aventuras. Ainda contou uma história,
uma antiga fábula élfica ao seu filho, antes
dele fechar os olhos. De manhã cedo, ao raiar do dia
brumoso e frio do Vale, Kariel partiu para o Monte, para reencontrar
seus companheiros, no início daquela nova e difícil
aventura.
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