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Apesar
de não ser o último livro da Avatar Series, Águas
Profundas fecha a narrativa que tem por objetivo contar a história
do Tempo das Perturbações.
Nos livros anteriores, vimos como os deuses foram banidos de seus
respectivos planos por Ao, deus dos deuses, para aprender a dar
valor aos seus adoradores e também a assumir a responsabilidade
que tinham em mãos, após Bane e Myrkul roubarem
as Tábuas do Destino. O deus dos mortos e o deus
da discórdia acreditavam que essas Tábuas
continham algum poder que enfraquecia Ao e que sem elas o Deus
dos deuses seria um alvo fácil para eles. Também
vimos como a mortal Meia-noite acabou sendo a receptora da essência
da deusa Mystra, conhecendo o clérigo Adon, o guerreiro
Kelemvor e o ladrão Cyric. Juntos, os quatro se envolveram
nas disputas pessoais dos deuses e decidiram recuperar as Tábuas
para restaurar a paz nos reinos. Porém em seu caminho,
os amigos encontraram muitos problemas. Além de terem Bane
e Myrkul em seu encalço, Cyric também acabou se
voltando contra eles, tornando-se mais um inimigo mortal.
Em Águas Profundas, Bane não é mais uma ameaça,
depois de ter sido destruído em uma batalha contra Torm.
Mas, em compensação, o deus da discórdia
será substituído por outros três perseguidores
à altura: Myrkul, deus dos mortos, Cyric, seu antigo companheiro
e Bhaal, deus dos assassinos. E é exatamente por ele que
começarei essa resenha.
O fim de Bhaal e a segunda Tábua do Destino
O terceiro livro começa com Meia-noite, Kelemvor e Adon
dirigindo-se a Águas Profundas, com a intenção
de encontrar a segunda Tábua e também a
acessar a Escada Celestial que poderia levá-los a um encontro
com Helm e à possibilidade da devolução das
Tábuas. Porém Myrkul estava decidido e
continuar com o objetivo inicial de Bane, dessa vez de uma maneira
diferente:
“O Lorde Negro havia tentando desesperadamente recuperar
o artefato mobilizando seu exército. Esse grande esquema
foi sua ruína (...) Myrkul estava determinado a seguir
um curso mais seguro. Onde Bane havia usado um exército
para reaver a Tábua, Myrkul enviaria uma patrulha para
recuperá-la.”*
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 4.
E é exatamente usando essa estratégia que Myrkul
se une a Bhaal. Bhaal prende Meia-noite e usa a estratégia
da ‘psicologia reversa’ para fazer com que a maga
recupere a Tábua para eles. Myrkul havia escondido
o artefato em seu castelo, no plano onde vivia como deus, sem
sequer imaginar que Ao o baniria. Assim, incapaz de recuperar
a Tábua por si, ele e Bhaal decidem usar Meia-noite,
talvez a única pessoa capaz de conseguir o item.
“Você vai matar Helm (…)” diz Bhaal.
“Eu não posso matar um deus”, Meia-noite gritou,
chocada.
“Você matou Torm”, Bhaal grunhiu. “E Bane”(...)
“Tudo o que fiz foi tocar o sino de Aylan Attricus! Eu salvei
Tantras. Bane e Torm se mataram!” (...) “Não
seria mais fácil devolver as Tábuas do Destino para
Helm?” Meia-noite perguntou. (...)
“Nós a devolveríamos em um instante se isso
fosse possível. (...) Você acha que nós permitimos
que você ficasse com essa [Tábua] aí? É
inútil!(...)”
“Por que vocês não enviaram um mortal para
recuperar a segunda Tábua do Destino?” (...)
“Os mortais entram, mas não voltam.”*
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 156,157,160,161.
Ilustração
por Allen Nunis

Bhaal surge para recuperar a Tábua. |
E é exatamente ‘deixando
essa informação escapar’ que Bhaal convence
Meia-noite a ir até o Reino dos Mortos recuperar a Tábua,
para que assim ela evite de ter que enfrentar Helm. Bhaal e Myrkul
sabiam muito bem que ela tentaria fazê-lo, por isso deixam
o caminho livre para Meia-noite ‘fugir’ e seguir até
o Castelo Lança Dracônica, onde há uma entrada
para o Reino dos Mortos, e assim recuperar a segunda Tábua.
Sem sequer imaginar que toda a conversa de Bhaal era falsa, a
maga ruma sozinha até o reino de Myrkul, encontrando o
Reino dos Mortos em total caos, com as almas dos fiéis
perdidas, esperando seus deuses para resgatá-las. Após
muitos desafios, a maga consegue finalmente recuperar a Tábua,
escapando do plano.
Bhaal é destruído bem antes de Meia-noite recuperar
a segunda Tábua do Destino. Seu fim acaba dando-se
em grande parte, por causa de um item muito curioso.
No caminho para Águas Profundas, Kelemvor, Adon e Meia-noite
acabam ajudando alguns halflings que haviam sido atacados pelo
grupo de Cyric. Dentre esses halflings estava Sneakabout, que
decidiu acompanhar o grupo com a desculpa de se vingar daqueles
que destruíram sua vila. Porém Sneakabout tinha
um motivo muito mais absurdo do que se poderia imaginar:
“Quando os Zhentilar atacaram sua vila, eles roubaram
sua espada. Agora, tão terrível quanto isso poderia
soar, ele precisava roubá-la de volta. A coisa tinha uma
vontade própria – uma vontade que há muito
dominou Sneakabout, forçando-o a matar indiscriminadamente
e com freqüência.” *
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 91.
Ilustração
por Allen Nunis

Sneakabout tenta recuperar a Ruína dos Deuses das
mãos de Cyric. |
Embora ninguém pudesse
saber, a espada inteligente que se alimentava de sangue, chamada
de a Ruína dos Deuses, era nada mais nada menos
que o avatar do próprio deus Mask, que acabou indo parar
nas mãos de Cyric. Mas ao contrário do halfling,
que morreu tentando recuperar a espada do ladrão, Cyric
conseguiu não apenas dominar, mas também usar e
controlar a espada a seu favor. E foi exatamente com ela que Cyric
derrotou Bhaal. Quando o deus prendeu Meia-noite para contar-lhe
seu plano falso e usar a maga para recuperar a Tábua,
Bhaal a ‘deixou escapar’, durante essa ‘fuga’
Bhaal foi obrigado a lutar contra Adon, Kelemvor e Cyric (que
se uniram momentaneamente para recuperar a maga). Sem ter outra
saída, Cyric luta com Bhaal. O ladrão fica muito
ferido, mas consegue enterrar a espada no deus, e com a ajuda
de uma magia de teletransporte de Meia-noite, derrota Bhaal. E
assim, os heróis terão um inimigo a menos com o
qual se preocupar. Mas isso não fará tanta diferença
quanto se possa imaginar...
Transformação dos personagens
Apesar do terceiro livro marcar a conclusão de eventos
tão emocionantes, ele também marcará a transformação
definitiva de muitos personagens.
Embora todas as evidências possam mostrar o contrário,
Meia-noite ainda acredita na inocência de Cyric, e sua crença
causa muitos conflitos com Adon e Kelemvor no decorrer do livro,
até que a maga acidentalmente ouve da boca do próprio
Cyric suas intenções. E Cyric definitivamente assume
sua posição de antagonista na história, tornando-se
o maior vilão do livro:
“Depois de Shadowdale, Cyric finalmente percebeu que
poderia acreditar somente em si mesmo – e não no
conceito abstrato de ‘bondade’, não na santidade
da amizade, nem mesmo na esperança do amor. Caso sua vida
tivesse algum objetivo, tinha que ser seu próprio interesse.
Depois de decidir isso, Cyric começou a formular um plano
que não apenas dava sentido à sua vida, mas também
que literalmente permitiria que ele escolhesse seu próprio
destino. Ele recuperaria as Tábuas do Destino e as devolveria
a Ao em troca de uma recompensa que sem dúvidas o faria
tão rico quanto um rei.”*
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 29.
Em contrapartida, Kelemvor e Adon também passam por algumas
transformações. O guerreiro, finalmente livre de
sua maldição, começa a desejar ajudar as
pessoas, coisa que jamais pôde fazer antes. Enquanto isso,
o ex-clérigo de Sune assume uma postura responsável,
tornando-se o líder do grupo, como podemos ver nas palavras
de Kelemvor:
“A confiança do clérigo havia voltado, mas
era temperada por uma compaixão que faltava antes em Tantras.
De onde a transformação viera, o guerreiro não
podia imaginar. Mas ele estava feliz por sua recém descoberta
sabedoria – mesmo que Adon ainda usasse cem palavras para
o que poderia ser dito com dez.”
Meia-noite permanece a mesma maga corajosa e apaixonada dos dois
livros anteriores, mas o poder da deusa Mystra se manifesta de
uma vez por todas nela, começando a transformá-la
na nova deusa Mystra mais neutra e participativa, que tantos fiéis
passariam a adorar dali por diante.
Conclusão da história: novos deuses
Ilustração
por Allen Nunis

A chegada de Myrkul. |
Após a morte de Bhaal
e a recuperação da segunda Tábua do Destino,
Meia-noite, Kelemvor e Adon, com a ajuda de Elminster e Khelben
Cajado Negro, tentam alcançar a Escada Celestial para devolver
as Tábuas a Helm. Porém eles ainda terão
dois problemas em seu caminho: Myrkul e Cyric.
Myrkul realiza um grande ataque a Águas Profundas para
deter a maga e pegar as Tabuas. Porém seu ataque não
é bem-sucedido e Meia-noite acaba por destruir o deus manifestando
o poder latente de Mystra que havia em si. E com Myrkul morto,
Cyric seria o único e mais mortal inimigo de Meia-noite.
O ladrão realiza seu último ato de crueldade e obriga
Meia-noite a lhe dar as Tábuas, mantendo Kelemvor
sob o fio de sua espada, a Ruína dos Deuses (o
avatar de Mask). A maga vê-se obrigada a dar o artefato
para o ladrão, mas Cyric não está disposto
a cumprir com sua palavra, matando seu antigo companheiro:
“O guerreiro sentiu sua vida sumindo. “Ariel”,
ele murmurou através da dor. Conforme sua visão
embaçava, Kelemvor Lyonsbane imaginou se, talvez, ele havia
feito o bem o suficiente durante o tempo no qual estava sem sua
maldição para ser lembrado como herói. Então
ele morreu.”*
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 319.
Ilustração
por Allen Nunis

A chegada de Myrkul. |
Após a morte de Kelemvor,
Cyric finalmente ruma para a Escada Celestial e para a grande
conclusão do livro. Ao admite que as Tábuas
não eram nada além de um símbolo sem qualquer
propriedade especial, além de confessar saber quem foram
os autores do roubo. Daquele momento em diante, os deuses também
teriam um propósito verdadeiro:
“Desse dia em diante, seu verdadeiro poder dependerá
do número e devoção de seus seguidores.”*
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 332.
Além de exigir a dedicação dos deuses a seus
fiéis, Ao também entrega a Cyric o prêmio
que ele tanto desejava:
“Você desejava ser um deus, controlar seu destino
e muito poder”, Ao disse. “Você terá
apenas dois desses – ser um deus e poder – para agir
como você quiser no Reino dos Mortos. E todo o sofrimento
de Toril será seu também, para causar e realizar
como você quiser. Mas você jamais conhecerá
contentamento e alegria novamente.”*
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 333.
Mesmo sob esse preço, Cyric prontamente aceita a oferta
de Ao, obrigando Meia-noite a também aceitar o aspecto
de deusa da Magia com um único objetivo, explicitado por
Adon:
“Aceite!” gritou Adon. “Você não
pode deixar Cyric vencer! É sua responsabilidade se opor
a ele!” *
* Águas Profundas;
Denning, Troy. Pág 334.
Adon torna-se o primeiro clérigo da nova deusa Mystra,
recuperando definitivamente sua fé, e cada deus assume
seu posto novamente, fazendo com que tudo volte finalmente ao
normal. Então, no final do livro, Ao realiza um diálogo
muito curioso com seu ‘Mestre’, dizendo que finalmente
os Reinos estavam mais uma vez em harmonia. De acordo com muitos
fãs, esse mestre é ninguém mais ninguém
menos que o próprio Dungeon Master, afinal, são
os mestres de jogo os responsáveis por criar as tramas
e tantas histórias que preenchem e enriquecem os Reinos
Esquecidos.
