Os Últimos Dias
de Glória
O que é RPG
Página Principal
A Comitiva da Fé
Definição
Histórias
Última História
Personagens
Jogadores
Galeria de Arte
Diversos
Forgotten Realms
 Definição
 Geografia 
 Divindades
 O Mundo
 Organizações
 Personagens
Artigos
 Galeria
Suplementos
Autores
Site
 Matérias
 Downloads
 Notícias
 Parceiros
Links
 Sobre o Site
 Glossário
 Créditos
Mensagens Arcanas
E-mail


powered by FreeFind


Por Marcelo Piropo

 


Um Estudo Sobre Holmes
Parte IV - Final

 

O Mito Influencia

 

1. As Raízes de Holmes.

 

   Antes de citar as influências da obra policial de Doyle, faz-se mister perscrutar nas origens do gênero as origens de Sherlock Holmes. Normalmente diz-se de Edgar Poe a paternidade do gênero policial. "Normalmente" porque atribui-se a Poe - de modo bastante tendencioso - a criação de pelo menos cinco literaturas: a de horror; a psicológica; a de fantasia; a de ficção científica; a policial. Não cabe a este pequeno estudo validar ou não o mérito destas afirmações, mas voltar os olhos para os contos policiais de Edgar Poe, sobretudo, Os Crimes da Rua Morgue, novela de 1841, e suas continuações.

    Edgar Poe escreveu a maioria das suas obras de uma maneira muito particular: em primeira pessoa, sem descrever o personagem narrador, fazendo o leitor acreditar haver sido o próprio autor a experimentar aquelas experiências grotescas descritas no seus trabalhos. Uma antiga quadrinização da obra de Poe mostrava o autor presente em seus contos, acompanhando as personagens principais, estudando-as, guardando cada pormenor com olhos ao mesmo tempo quebrados e agudos, para depois transformar os fatos em narrações. E assim é em Os Crimes da Rua Morgue. Um autor anônimo - o próprio Edgar?- que serve de cronista das aventuras investigativas de um amigo excêntrico -de nome Dupin - com quem divide aposentos no terceiro andar de uma casa. Qualquer semelhança com Sherlock não é mera coincidência. E a esta se seguirão muitas outras.

    Não sou o primeiro autor a destacar as semelhanças entre Dupin e Holmes, embora me proponha, e não sei o quanto isto seja inédito, a confrontar as duas obras.

    Como notado acima, Dupin e o seu cronista, assim como Sherlock e Watson, viviam juntos. Guarde-se esta informação e sigamos adiante. Nas primeiras páginas de Os Crimes da Rua Morgue dá-se um fato interessante : para explicitar sua capacidade analítica, Dupin responde com palavras aos pensamentos do seu amigo. Disse, enquanto caminhavam em silêncio: "Na verdade, esse rapaz é muito pequeno e estaria melhor no Théâtre des Variétés"(1) . Como se pudesse ler-lhe a mente, causando espanto no seu companheiro. Depois explicou que tudo não passara de uma eficaz analise das cadeias de pensamentos e refez o curso das meditações do amigo, demonstrando o quão reveladores são o estudo de pequenos eventos e reações faciais na ação de desvendar os solilóquios cerebrais. Semelhante fato ocorreu na saga sherlockiana. Num dia sufocante (no conto A Caixa de Papelão), Watson jazia recostado a sua poltrona, divagando, quando Holmes interrompeu o rumo dos seus pensamentos. Disse: "Você tem razão, Watson. É de fato absurda essa maneira de resolver contendas"(2) . O Dr. Watson ficou perplexo, seu amigo acabara de desvendar-lhe as idéias. Qual Dupin, Sherlock refez o curso dos pensamentos do amigo, explicando sobre as cadeias de pensamentos e expressões, e como finalmente descobriu exatamento no que cogitava. A presença desta habilidade em ambos os detetives é muito importante; a maneira como as narrativas se encontram, não apenas no que diz respeito ao tema -desvendar pensamentos analiticamente- mas ao ritmo estabelecido pelos autores e a organização das explicações que são praticamente os mesmos(3).

    Após a deflagração do crime da rua Morgue os jornais deram grande importância para o caso, seja pela brutalidade, seja pela dificuldade de encontrar uma solução satisfatória para o ocorrido. Dupin interessou-se pelo caso, visitou a cena do crime, o desvendou, mas não disse nada no primeiro momento, nem a polícia, nem ao seu amigo. Era um excêntrico, anelava um fim dramático; Holmes em geral apelava por um final desta natureza, o forçava até. Assim, Dupin colocou um anuncio no jornal com o escopo de atrair o culpado. Ora, este artifício foi usado por Sherlock mais de uma vez. E para não faltar com os exemplos, citemos o conto Black Peter, e a novela Um Estudo em Vermelho. Nesta, impressiona a semelhança da narrativa, da situação e do motivo do anuncio. Outro fato de mérito é que quando o suspeito responde ao anuncio de Dupin, vindo até sua casa, o leitor é colocado diante de uma arquitetura da Baker Street 221-B: uma escada que leva até os aposentos habitados pela dupla. E a alusão de Dupin à pistolas, enquanto o homem sobe, é a mesma que Sherlock Holmes fazia a Watson sempre que respondiam aos seus anúncios.

    A segunda aparição de Dupin é em O Mistério de Marie Rogêt. Aqui as semelhanças com Holmes são muito poucas. Esta novela, com boa vontade, não pode ser considerada como tal, mas como um artigo. Poe, através da ficção tenta lançar luz, ou ao menos fazer conhecer sua opinião, sobre um crime real. Isto separa o detetive francês do de Baker Street. Doyle nunca se permitiu escrever estórias policiais genuínas. O leitor pouco atento passará sem notar que o crime real, aquele cruel, está na maioria dos casos ausente nas investigações da dupla Sherlock-Watson; e quando está presente é apresentado de modo fantasioso. Seus casos são fintas. Nas palavras de Conan Doyle: "Ouve-se (o leitor ouve) falar muito do crime e do criminoso, mas o leitor é completamente enganado"(4). Não raro Holmes perseguiu um suposto serial killer para no final descobrir que este não passava de um homem honrado que fora forçado a fazer justiça com as próprias mãos.

    Tornando a nos ocupar da segunda novela de Dupin, há a acrescentar que a única semelhança com Holmes existente ali é o método. Poe usa o método de analise que estamos habituados a referir como sherlockiano, mas que para o bem da verdade originou-se com Dupin. Doyle, que nunca negou a influência de Edgar Poe, em muitas ocasiões fez uma meia defesa de si mesmo quanto a este assunto; falara que Dupin não era um cientista como Holmes. E não mentira, nas novelas do detetive francês suas habilidades são colocadas na esfera do dom, da personalidade e da intuição. Em Holmes nada é intuição ou coincidência, mas suor e lógica científica.

    No conto A Carta Roubada, Dupin e seu amigo fumam cachimbo quando o delegado de policia sobe as escadas e vem encontrá-los em seus aposentos com um pedido de ajuda. Este estudo não será grande o suficiente para apontar todas as vezes em que a dupla criada por Doyle fora visitada, na mesmíssima situação temática e disposição cênica, pelo inspetor Lestrade e outros agentes da Scotland Yard. Esta, das tramas de Dupin, é a mais semelhante as de Holmes. O tema do desaparecimento ou roubo de um documento que interessa a personagens do mundo político se repete com Sherlock no conto intitulado A Segunda Mancha. As similitudes entre os dois roteiros é tanta que é impossível descartar A Carta Roubada como motivo de inspiração de Conan Doyle. Mais uma vez, a repetição do tema é o de menos, sendo a igualdade da cadencia dos acontecimentos e das escolhas dos escritores o importante. A Carta Roubada interessa por conter situações, falas, exclamações, que serão marcas indeléveis das estórias de Sherlock Holmes.

    Mas então, Holmes não é uma criação original, mas uma cópia de Dupin? A resposta é não. Além de Poe, dois outros fatores contribuíram num momento inicial para o desenvolvimento de Sherlock. Antes de explorarmos este dois outros fatores, vale um parêntese sobre o que faz o detetive de Baker Street original. As tramas de Poe não contem aventura nem fantasia (embora Edgar Poe houvesse escrito fantasia). Poe é conhecido como um escritor de estórias de terror; ao escrever, utiliza um elenco vocabular que conduz o leitor à angústia. Foi um autor extremamente técnico, preocupado com o resultado que o ritmo das palavras provocaria no leitor. Não nos forneceu detalhes sobre seu detetive, sobre o mundo em que habita. Esforça-se, ocultando nomes e datas, por fazerem crer reais os casos do seu detetive. As estórias de Dupin são um grande discurso em que se cruzam filosofias, reflexões sobre a vida, sobre a justiça. Não há traço da força narrativa de Conan Doyle; da sua capacidade de prender o leitor com poucas palavras. Holmes é um personagem em todas as acepções do termo: apesar de magro é dotado de grande vigor físico, mais de uma vez combatendo contra os criminosos com os próprios punhos; persegue seus suspeitos pelas ruas sujas de Londres; é capaz de disfarçar-se rapidamente, de mudar a voz, de mudar a postura, é um excelente ator; Sherlock tem um arquinimigo, despenca com ele enquanto lutam do alto de uma cachoeira; morre; retorna; torna-se real e palpável apesar das suas estórias serem paradoxais com o mundo real. Em suma, os casos de Holmes são "aventuras", os de Dupin "tratados". Quando Watson, amigo de pouco tempo, comparou o companheiro com Dupin, esta foi a resposta; disse-lhe Sherlock erguendo-se e acendendo o cachimbo: "Sem dúvida você acha que está me elogiando, comparando-me a Dupin. Pois na minha opinião, Dupin era um sujeito bem inferior. Aquele seu estratagema de intervir nos pensamentos de seu amigo, depois de quinze minutos de silêncio, é realmente muito pretensioso e superficial. Tinha certo gênio analítico, sem dúvida; mas não era de jeito nenhum o fenômeno que Poe parecia imaginar"(5).

    As outras duas influências de Doyle foram o seu professor "Joe" Bell e o detetive Lecoq de Gaboriau. De Bell, tomou a aparência, as maneiras e a capacidade de não deixar inobservados pequenos detalhes. Os que conhecem pouco a biografia de Conan, supõe erroneamente ter sido o professor a sua única fonte de inspiração. De Gaboriau não tomou nada; pode-se dizer que aprendeu como estruturar tramas policiais bem amarradas. Watson, em sua inocência (ou talvez no papel de advogado do diabo) chegou a questionar a Holmes o que ele pensava de Lecoq. Assim respondeu-lhe o amigo: "Lecoq era um grande trapalhão. Só uma coisa o recomendava: sua energia. O livro me deixou positivamente doente. O problema era como identificar um prisioneiro desconhecido. Eu o teria feito em vinte e quatro horas. Lecoq precisou de mais ou menos seis meses". Doyle termina esta fala de Sherlock de modo claramente provocativo: "Poderia ser um manual para ensinar aos detetives o que não devem fazer"(5). Estas alusões as literaturas policiais -as de Poe e Gaboriau- são positivamente alfinetadas, pois como se sabe, Holmes não lia e desconhecia quaisquer literaturas à parte as sensacionalistas.

    Passados alguns anos, Sherlock Holmes ganhou aspectos do próprio Doyle. Sabemos que o escritor em mais de uma oportunidade -para seu horror - e por mais de um motivo fora confundido com sua criação. Escreveu mesmo este verso: "A obra e o seu autor são duas coisas diferentes". Sabemos ainda que seguramente usou os métodos de Holmes para ajudar a polícia nas vezes em que fora requisitado. Há também a transformação da personagem por parte do imaginário popular, contudo este assunto já fora discutido na parte três deste estudo.

2. Os Frutos

    Os meios de comunicação de massa encontram-se tão saturados de criadores e criações que muitas vezes é difícil saber quem imita quem, o que é inspirado no que, ou pior, tornar-se nebuloso o esforço de descobrir se se trata de plagio ou de "homenagem". Seria leviano dizer que Sherlock Holmes está presente nos romances policiais, igualmente, dizer que não está. É mais interessante destacar o quanto a personagem de Doyle mudou a maneira do escritor de tramas polícias de observar o crime. Antes de Holmes, os investigadores da ficção chegavam aos culpados ou a solução do caso não raro por dois motivos: 1)o criminoso cometia um erro; 2)uma coincidência ou puro acaso os conduzia a verdade ou a fazia estalar em suas mentes. Não havia uma ciência da investigação, ou pelo menos um método científico. O detetive era apenas um sujeito como qualquer outro, que chegava a solução dos seus casos através de energia e persistência e não da lógica. Neste sentido a sombra de Sherlock cai sobre as estórias policiais. Poderia refutar, o mais erudito, e dizer: Não a de Holmes, a sombra de Dupin. Mas quem conhece Dupin? A personagem de Poe nunca foi o fenômeno que é Sherlock Holmes.(6)

    As tramas de Holmes, ou antes as melhores, estão mais concentradas na maneira dramática como ele resolve os seus casos do que no mundo do crime. Como Doyle possuía pretensões literárias, nunca se permitiu escrever contos policiais genuínos. A parte pouquíssimas exceções, os casos são inocentes e investigam um crime que muitas vezes não ocorreu. Conan se esforçou o mais que pode para afastar a torpeza dos delitos reais dos seus enredos. Mas então, onde está a influencia de Holmes?

 

Batman e Holmes

clique para abrir imagem maior
Arte de Alan Davis e Paul Neary

 Esta aventura foi publicada na revista Dective Comics 572 (1986) e, no Brasil, em Batman (2ª série, 1988). Na trama, Batman, Robin, Homem Elástico e o detetive Bradley impedem uma atentado à Rainha da Inglaterra e recebem uma ajudinha de Sherlock Holmes.
    Ele alega ainda estar vivo graças a uma alimentação regrada e à atmosfera rarefeita do Tibet. O crédito da história é de Mike W. Barr.

 

   O Mito é objeto de referimento, não envelhece e se renova. Além das muitas estórias escritas sobre Sherlock por outros autores (no Brasil a mais importante e famosa é O Xangô de Baker Street de Jô Soares; romance que também se encaixa nas sátiras sherlockianas), existem as imitações sadias do método sherlockiano espalhadas por centenas de produções artísticas, seja cinema, TV, quadrinhos. Neste último, a mais celebre é o personagem Batman (ver box). Desenhos animados de investigação invariavelmente nos mostram um personagem segurando uma lente de aumento numa clássica postura à Holmes buscando pistas. Mas coisa impressionante mesmo fez Asimov, que na sua série dos Robôs criou uma dupla de detetives na qual trocava os papeis; o detetive ,Elija Baley, a quem não faltava o cachimbo, era só emoção (como Watson), enquanto seu companheiro, o robô Daniel, era somente lógica, qual Holmes.

    Há muito da tensão da saga sherlockiana nos romances da série Harry Potter; para quem não conseguir estabelecer uma relação, sugere-se assistir ao filme O Enigma da Pirâmide ou observar atentamente as prateleiras das livrarias. Recentemente, com capas que mostram um Holmes retratado à moda dos quadrinhos americanos, pode-se encontrar a reedição de toda a saga, com tratamento para atrair o publico juvenil (nas livrarias em que pude pesquisar, esta coleção está sistemada na mesma ou nas prateleiras vizinhas às do mago). É claro que "Potter" é um assunto e "Sherlock" outro, mas a inspiração buscada na obra de Doyle sobra na série de Rowling. Em Harry Potter a investigação é parte importante do enredo e está presente nos cinco livros. Para exemplificar, note-se ser o artifício de Rowling aquele de Doyle, um personagem principal astuto acompanhado por outro, que se é inteligente, não dispõe das mesmas habilidades; assim, enquanto avançam nas descobertas, conversam entre si, servindo de refletor; desta maneira informando o leitor sobre suas evoluções, etc. Outra relação com a obra de Doyle (esta fora do âmbito meramente literário) é o sucesso de Potter, só comparado na história da literatura ao de Holmes nos fins do século XIX. Há quem dirá que Potter não pode ser chamado "literatura". A estes o autor deste estudo pergunta: O que é literatura?

    Sempre que um detetive da ficção acende um cachimbo, vemos Holmes, mesmo que ele não esteja lá. Georges Simenon criou o seu Maigret (que fuma mais que Holmes) e apesar de haver menos paralelos entre Maigret e Sherlock do que entre este e Dupin, invariavelmente se atribui uma inspiração na obra de Doyle. Pode-se, certamente, relacionar o detetive de Baker Street com uma infinidade de criações da ficção do século vinte, dentro e fora da esfera do romance policial; fora mesmo do detetive em si, mas relacionando o estilo em que foram escritas as suas aventuras. Spock, de Star Trek, só para citar uma criação vigésimo século, tem diversos atributos sherlockianos: o controle das emoções; a vida dedicada a lógica; a maneira de agir qual uma máquina; seu quase completo desinteresse pelas mulheres. Seria monótono e desinteressante apontar trechos da saga que confirmam estas observações e outras, desta e demais personagens.

    Interessante seria, para o leitor que ainda não conhece Holmes, procurar qualquer um dos seus livros e iniciar-se na saga; e para o que já conhece, pegar sua estória predileta e reencontrar a dupla dinâmica que habitava na Baker Street.


(1).-Poe, Edgar. Histórias Extraordinárias; pág.117; 1981.
(2) -Doyle, Conan. As Aventuras de Sherlock Holmes 5; pág.8
(3) -N. do E.:É interessante notar que Sherlock cita o conto de Poe, e critica Watson por não haver acreditado que ele, Holmes, também era capaz de acompanhar através do raciocínio lógico os pensamentos dos outros. Mas o próprio Holmes, numa estória anterior, havia chamado Dupin de exibicionista e superficial por usar esta capacidade analítica.
(4) - Doyle, Conan. Aventuras Inéditas de Sherlock Holmes;pág.177; 1987.
(5) - Doyle, Conan. Um Estudo em Vermelho; pág.24; 1984.
(6)- N. do E.:Este estudo refere-se aos romances policiais e não à ciência de investigação legal que tem raízes muito anteriores.


Os Últimos Dias de Glória © Todos os direitos reservados 2004 - Forgotten Realms™ e seus personagens são marcas registradas da Wizards of The Coast Inc.
This page is a fan site and is not produced or endorsed by Wizards of the Coast. Forgotten Realms is a registered trademark of Wizards of the Coast, Inc.