Os Últimos Dias
de Glória
O que é RPG
Página Principal
A Comitiva da Fé
Definição
Histórias
Última História
Personagens
Jogadores
Galeria de Arte
Diversos
Forgotten Realms
 Definição
 Geografia 
 Divindades
 O Mundo
 Organizações
 Personagens
Artigos
 Galeria
Suplementos
Autores
Site
 Matérias
 Downloads
 Notícias
 Parceiros
Links
 Sobre o Site
 Glossário
 Créditos
Mensagens Arcanas
E-mail


powered by FreeFind


Por Marcelo Piropo

 


Um Estudo Sobre Holmes
Parte III

 

Holmes, O Mito.

     Sherlock Holmes é um personagem original, uma das poucas criações da ficção policial que sobreviveu na memória dos leitores, e sem sombra de dúvidas, a mais importante e famosa. Fruto de uma Londres obscura e marginal do final do século 19, resistiu as guerras e revoluções do século 20, e demonstrando a sua força narrativa segue entretendo e influenciando no neo-nato século 21. Ocorre que Holmes e o dr. Watson pertencem aquela classe de personagens, como Quixote, Quasímodo, Drácula, etc., que foram capazes de transcender os limites do papel pintado com tinta para misturar-se ao imaginario popular, e serem recriados por este imaginário, tornando-se plenos de significados, ora substantivos, ora adjetivos, ora subjetivos.


Conan Doyle: criador de Holmes

     Para compreender melhor este conceito, iniciemos por uma questão prosaica. A estética. Como se parece Holmes? O leitor rapidamente já fez uma construção mental: face fina, quase delicada; limpo e polido à moda inglesa; sobretudo e boné xadrez. Mas será que Holmes era assim? Escutemos as palavras do seu criador, Conan Doyle: "Minha opinião sobre Sherlock [...] era bem diferente daquela que o sr. Paget (ilustrador) veiculou [...] ele (Holmes) tem um nariz mais adunco, um rosto aquilino, aproximando-se mais da feição de um pele vermelha"(1). O caso é que Doyle nunca fez uma descrição completa do seu detetive num único texto, mas espalhou-a pelas diversas aventuras da saga. Porém, na primeira estória de Sherlock, encontra-se uma bastante satisfatória: "Quanto a estatura, passava de um metro e oitenta, mas era tão magro que parecia mais alto ainda. Os olhos eram agudos e penetrantes [...] o nariz delgado, aquilino [...] o queixo quadrado e forte [...] As mãos estavam invariavelmente salpicadas de tinta e manchadas por substâncias químicas"(2). Descrições sobre as vestes estão diluidas nos mais ou menos 60 contos (3)   e 4 novelas. Em linhas gerais Holmes optava por vestes de cores sóbrias, na maioria das vezes. É verdade que o detetive fumava, mas é importante dizer que as alusões a charutos superam as de cachimbos nas primeiras tramas. Depois, o cachimbo de Sherlock nunca foi descrito com aquele formato sinuoso com o qual nos acostumamos a ver no cinema.

     Ocorreu um fato digno de nota, sobre estas questões, na novela O Cão dos Baskervilles. Para uma melhor compreensão, vejamos em que momento histórico foi escrita esta estória antes de atingirmos o alvo.

     Após a estréia em formato de conto em 1891, Sherlock e Watson seguiram uma escalada de sucesso nas páginas da Strand Magazine. Todos amavam a dupla, dentro e fora da Inglaterra crescia a crença de que tratavam-se de personagens reais. Qual ocorre com o mito que arrasta multidões aos seus templos, a lenda de Holmes arrastava os turistas para a Baker Street em busca do quimérico apartamento 221-B. Todos estavam satisfeitos, menos Doyle que de todas as formas tentava se livrar da personagem; chegou mesmo (somente para parar de escrever estórias policiais) propor uma fortuna ao editor pela nova série de doze contos. Para sua surpresa o preço foi pago. Sem solução, Conan decidiu matar Sherlock Holmes.

     Conan Doyle tinha um projeto literário; desejava igualar-se a Walter Scott. Muitos estudiosos admitem que ele foi bem sucedido em sua empresa. A Companhia Branca, romance histórico escrito com simplicidade, consegue ser ousado e ambicioso, e pode tranqüilamente jazer ao lado de Ivanhoé. Mas Holmes ofuscou esta obra-prima da literatura mundial, e ainda hoje, quando se preparam coleções de clássicos, A Companhia Branca sempre resta de fora.

     Para a tarefa de matar Holmes, Doyle escolheu o professor Moriarty. Imortal inimigo do detetive que na saga só aparece duas vezes. A morte foi espetacular. No conto cujo título era "O Problema Final", os dois antagonistas despencaram de uma cachoeira. Contudo, mais uma vez para sua surpresa, o resultado não foi o esperado. Pode-se dizer que a mitologia sherlockiana a qual este estudo muitas vezes se refere teve origem naquela queda, pois, uma vez morto, nunca se falou tanto sobre o detetive de Baker Street. Pessoas chorando, cartas de censura endereçadas a Doyle, teatros cada vez mais cheios para assistir aos espetáculos baseados nas aventuras de Holmes. Imagens do boné xadrez e do cachimbo estilizados pelo teatro corriam o mundo. O palco recriou o detetive morto, forjou-lhe o modo de agir e falar que se tornariam suas marcas registradas, como a célebre frase: "Elementar, meu caro Watson!" Ora, Holmes nunca disse esta frase. Na saga, ele sempre se refere ao seu amigo como "caro", é verdade, e sempre desdenha dos que se surpreendem com a sua capacidade lógica com o "elementar". Contudo, tudo junto nunca. Diz a lenda que o primeiro a pronunciá-la foi o ator William Gillette.

     Chegamos assim a grande novela da saga (esta sim figura em coleções de clássicos da literatura): O Cão dos Baskervilles. Quase uma década havia se passado desde a fatidica queda, muitos fatos importantes marcaram a agitada vida do dr. Doyle, escrevera livros históricos, livros científicos, inclinou-se por temas esótericos. A lenda nos fala de um desafio lançado por pessoas próximas; amigos que viviam acusando-o de não escrever sobre Holmes não por opção, mas porque havia esgotado a imaginação para criar bons casos policiais. Assim veio a luz a aventura da maldição da família Baskerville. Uma novela repleta de aromas londrinos e pântanos sombrios; uma estória policial plena de inquietudes, personagens misteriosas, perseguições, objetos que aparecem e desaparecem, um assassino sobrenatural, cartas anônimas, uma mansão mal assombrada, um cão fantasmagórico. Um universo que seria imitado a exaustão, onde ninguém é o que parece ser; nem mesmo o dr. Watson que, como cronista, deve ocultar seus graves defeitos. Lendo, o leitor é assaltado por uma sensação de angústia que só se experimenta diante de uma trama bem escrita. Não é uma novela simples, seus personagens são estruturados de modo a revelar o absurdo contido em suas mentes: o doutor apaixonado por crânios, o naturalista obcecado pela própria irmã, um foragido selvagem oculto nas montanhas, o casal de caseiros: a mulher que geme todas as noites; o marido que caminha pela mansão quando todos se recolhem. Para enriquecer o estilo do texto, Conan nos faz ler, durante os capítulos mais importantes, não uma narração escrita por um autor onipotente, mas as cartas que o dr. Watson envia a Sherlock.

     Entretanto Holmes não é o mesmo. No início da novela os sherlockholmitos(4)  não convencem muito. À medida que a trama avança, suas deduções vão tornando-se mais óbvias e inócuas. Por fim, o caso acaba sem que o detetive desvende todo o crime de maneira dramática, apontando quais foram as pistas que o levaram aquela determinada conclusão. É realmente frustrante o fato de que ao fim, Holmes simplesmente não nos oferece conclusão alguma sobre o crime. O caso é resolvido, contudo, e resolvido por Sherlock, mas no lugar das suas geniais deduções lógicas ele emprega a tocaia e táticas de interrogação para chegar ao culpado. Tudo, como já dito, escrito magistralmente. O único problema era que Doyle se esquecera de como era a "sua" dupla; de como Holmes resolvia seus casos. Os longos anos de distância o fizeram escrever sobre o "Holmes dos outros". No início do capítulo 12 Watson nos descreve seu amigo, esta descrição parece contrastar com aquela presente em Um Estudo em Vermelho. Vejamos: "[...] seu rosto agudo [...] ,seu terno enxadrezado e boné de pano [...], limpeza pessoal que era uma das suas características [...], o seu queixo [...] tão liso e sua roupa branca tão perfeita como se estivesse na Baker Street" (5) . A cocaína, os longos dias sem comer ou banhar-se, o uso constante de tabaco, os tiros na parede para afastar o tédio, todas características do antigo Holmes que sugerem não se adequar a este novo. Outro problema não literário da novela é a cronologia. Como Sherlock estava morto, a trama se passa num limbo qualquer entre Um Estudo em Vermelho e O Signo dos Quatro.

     O livro como era de se esperar, tornou-se rapidamente uma obra popular. A pressão e as ofertas de altos pagamentos fizeram Doyle retornar a sua mais importante criação. Assim ganhou vida a edição de contos intitulada A Volta de Sherlock Holmes. A estória do seu reaparecimento se chama A Aventura da Casa Vazia. Nesta, encontramos o dr. Watson três anos depois, em 1894, interessado pelos diversos crimes que ocorriam em Londres; mas ao inclinar-se sobre um em particular, encontra o seu amigo Holmes que lhe conta como sobreviveu à queda e tudo que fizera nestes anos: dois anos passados no Tibete, viagens pela Pérsia e Meca, estada na França, etc. Agora estava de volta e revelava-se pois havia formulado um plano capaz de levar a prisão o que restou da quadrilha de Moriarty. Os leitores, não obstante os insistentes pedidos de novas aventuras e vendas cada vez maiores, como para se vingar do escritor que por uma década os privou do seu detetive, começaram a criticar severamente as tramas. Há uma frase, contada pelo próprio Doyle em sua biografia, pronunciada por um barqueiro fã do detetive de Baker Street. Disse: " Acho, senhor, que quando Holmes caiu daquele penhasco, talvez não tenha morrido, mas por algum motivo, nunca mais foi o mesmo".

     O barqueiro tinha razão. Dez anos é muito tempo e Doyle não conseguia se desligar do mito sherlockiano vigente quando se sentava para escrever. Mas a crença, muito divulgada ainda hoje, de que as estórias perderam a qualidade é infundada. Certamente no decorrer destes muitos contos e peças aconteceram enganos, ou Conan tocou em assuntos dos quais conhecia pouco. Em todas as coletâneas da saga existem altos e baixos, porém na totalidade o material pode ser definido como excelente. Um dos melhores e mais míticos contos é A Aventura dos Homenzinhos Dançantes, publicado após a volta de Holmes.

     Dentro do universo da saga, Sherlock Holmes e o dr. Watson tornaram-se indivíduos tão famosos quanto fora. Os últimos casos envolviam pessoas notorias e fatos de importância internacional; podemos presumir que nos seus derradeiros anos de atividade, a dupla conseguiu ganhar boas recompensas. Sabemos que em 1897 Holmes se aposentou, trocando a cidade pelo campo, Londres por Sussex. Para confirmar o mito, Conan Doyle recebeu um enorme número de cartas de mulheres propondo casamento a Holmes agora que ele vivia uma existência pacata; outras de senhoras de meia-idade oferecendo-se para ajudá-lo a cuidar da casa e da lavoura.


(1).- Doyle, Conan: Aventuras inéditas de Sherlock Homes; 1987; pág. 177
(2) -Doyle, Conan: Um Estudo em Vermelho; 1984; pág.18
(3) - Este "mais ou menos" nasce da incapacidade de determinar quantos são em realidade os contos escritos por Doyle. Quando o autor morreu, seu material inédito começou a ser publicado, daí erguendo-se uma polêmica que resta sem solução por parte dos teoricos. Os mais conservadores reconhecem somente 56 contos, outros, entratando, admitem 68. Há ainda os que defendem manuscritos que não seguem a cronologia e os que defendem manuscritos sobre os quais recaem dúvidas sobre a autenticidade.
(4) - Sherlockholmitos: segundo Doyle: "Pequenas e astuciosas deduções que, embora não raro, nada tenham a ver com o assunto em pauta, dão ao leitor uma forte impressão de poder". Deduções dramatizadas que chegam a conclusões através de pequenos indícios.
(5) - Doyle, Conan. O Cão dos Baskervilles. 1984. Pág.241.


Os Últimos Dias de Glória © Todos os direitos reservados 2004 - Forgotten Realms™ e seus personagens são marcas registradas da Wizards of The Coast Inc.
This page is a fan site and is not produced or endorsed by Wizards of the Coast. Forgotten Realms is a registered trademark of Wizards of the Coast, Inc.