
Por Ricardo Costa
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Os
Últimos Dias de Glória - Contos
O
paradeiro de Garth
Cercanias de Estrela Vespertina, Cormyr
Existe
uma torre, afastada da cidade, onde poucos ousam passar por perto.
Dizem que o mago que vive por lá não gosta de visitas.
Alguns já o viram na cidade, a comprar especiarias, alimentos
e antigos livros. Está sempre usando um hábito preto,
um capuz e uma mascara que somente permite ver seus olhos negros.
Ficou conhecido como o Mago do Manto Negro. Até cinco anos
atrás atrás, Manto Negro era um grande caçador
de tesouros e frequentemente juntava-se a aventureiros para percorrer
catacumbas e lugares antigos. Pelo menos, estas histórias
contam os homens das tavernas. Mas quem acredita realmente em homens
que tem uma caneca de rum como companhia frequente?
Tempos
atrás, cerca de dois anos, Manto Negro recebeu a visita inesperada
de um garoto, de nome Eran Trinian. Este rapaz, na época
de 14 anos, sonhava ser um mago e dominar os sortilégios.
Sua determinação e imprudência, venceram o medo
e ele foi bater a porta do misterioso arcano. Aguardou muito em
frente a torre. Em volta do lugar havia algumas estátuas
de pedra, representando homens armados, em um tipo de decoração
bastante bizarra e assustadora.
O
estômago de Eran o apertava e um frio percorria seu corpo
e fazia tremer os braços. Já começa a pensar
em desistir. Eis que atravessa a parede a figura sombria do mago.
Sim. Atravessou a parede como se fosse um fantasma. Começou
a falar imediatamente.
-
Talvez seja a hora de ensinar alguma magia. Você deseja mesmo
ser um mago para se arriscar vir até aqui. - disse Manto
Negro à Eran.
-
Ma..maa..mas... - gaguejou o rapaz - Eu não disse nada!
-
Mas pensou muito alto, rapaz! Li seus pensamentos no momento em
que pisou no meu terreno. Observo a todos que aproximam-se. Está
vendo estas estátuas - aponta a figura fantasmagórica
- São homens que queriam roubar-me. Pobres coitados...Os
pombos fazem deles poleiros.
-
Não quero fazer nenhum mal, senhor. - explica-se o jovem.
-
Não se preocupe...sinto que sua intenção e
índole são boas.
Manto
Negro desloca-se para a frente da porta e ela abre-se sozinha
-
Aceito-o como aprendiz, mas se concordar com isto deverá
obedecer cegamente minhas ordens e viverá aqui nesta torre!
- sentenciou o arcano.
-
Sim mestre. Obedecerei. Vivia com tios que me odiavam, desde que
meus pais morreram. Não desejo a vida de camponês.
Gostaria de viver grandes aventuras.
-
Aventuras também podem o levar a morte, jovem. Conheci grandes
aventureiros que viveram intensamente, mas morreram muito jovens
pelo gosto que tinham por estas emoções. Mas sei que
este é um desejo difícil de resistir. Venha. Entre,
vamos começar suas lições.
Eran
aprendeu muito sobre encantos nestes dois anos e trabalhou muito
também. Era ele quem pegava a água do poço
e tirava a poeira da sala. Nunca vira o rosto de Manto Negro, mas
aprendera com ele alguns feitiços; podia levitar objetos,
torná-los escorregadios e detectar a presença de magia.
O aprendizado se intensificara nos últimos meses. O seu mestre
agora o colocara para estudar mais horas durante o dia e ia pessoalmente
executar algumas tarefas rotineiras, que antes ficavam sob responsabilidade
de Eran. Hoje, por exemplo, Manto Negro foi até Estrela Vespertina
comprar mantimentos, enquanto ele, sentado em um banco diante de
uma mesa ampla estudava o feitiço conhecido como Vento Sussurrante.
O
estudo estava maçante e Eran olhava para os lados. Notara
algo que chamou a atenção. Havia uma porta de uma
sala que sempre estivera fechada durante todo este tempo. Nunca
limpara este cômodo e hoje ele estava estranhamente aberto.
Sua curiosidade venceu a batalha em sua mente contra a prudência;
ele levantou-se do banco e caminhou em direção do
misterioso aposento. Seu mestre havia saído há pouco
tempo e ainda demoraria muito para que retornasse da cidade. Eran
põe a cabeça para dentro da sala. É magnifica.
Um
estante com dezenas de tomos mágicos, grimórios e
canudos de pergaminho, livros. Haviam cajados, vários deles,
máscaras e elmos em prateleiras. Uma estátua tinha
nas duas mãos anéis variados. Espadas douradas e prateadas
estavam penduradas na parede. Eran estava maravilhado. Ousou mais
uma vez e preparou um encanto de detectar magia. Outra surpresa.
A exceção de alguns livros, todos os objetos emanavam
o brilho dourado do mana. Aproximou-se de uma majestosa espada e
tentou removê-la da parede. Não conseguiu. Parecia
que estava presa ou que pesava uma tonelada. Tentou retirar os anéis
e grimórios e o mesmo acontecia. O seu mestre deveria ter
lançado um encanto especial sobre aqueles objetos mágicos.
Conseguiu remover apenas um livro de uma coleção de
diários manuscritos. Na capa estava grafado "O Tempo
das Perturbações". Preso ao livro havia um pequeno
saco de pano e dentro dele uma jóia vermelha.
Eran
sentou-se em uma cadeira empoeirada que havia no lugar. A letra
era do seu mestre, sem dúvida. Contava a história
de heróis que atravessaram boa parte de Faerun com as Tábuas
da Fé, artefato divino, na época em que os deuses
desceram à terra, cerca de vinte anos atrás. A leitura
o absorveu.
Repentinamente
um ruído. Eran, nervoso levanta-se da cadeira e corre para
a estante - " Não é possível que meu mestre
tenha voltado tão rápido - pensou - Com certeza serei
expulso da torre ou coisa pior.". Foi recolocar o livro no
lugar, mas não achara o local exato. Seu mestre era metódico.
Perceberia qualquer mudança. Mas agora não havia mais
necessidade. Fora interrompido pela voz severa do mago Manto Negro.
Ele estava na porta e de suas mãos emanavam energias místicas
de cores variadas.
-
Eran...maldito! - brada o mago, enquanto o aprendiz arregala os
olhos e dispara o coração - A magia que protege esta
sala me avisou da invasão. Pensei que fosse um ladrão.
Já iria atacá-lo. Deixei a porta aberta. O erro foi
meu, mas não gosto que bisbilhotem minhas coisas. - as luzes
coloridas que partiam das mãos do mago cessam e sua fúria
é substituída por um olhar de reprovação.
-
Perdão mestre! - suplica o rapaz - Por Tyr, perdoe minha
curiosidade!
-
Por Tyr!? - o mago mascarado dá uma pequena risada - não
gosto de deuses, rapaz! Mas por esta vez sua curiosidade será
perdoada. Tem sido um bom aprendiz e eu também fui muito
curioso na juventude. Que livro tem nas mãos?
-
Um diário, mestre! Fala dos dias dos Tempos das Perturbações
- responde o rapaz, um pouco mais aliviado.
Manto
Negro entra em silêncio. Em seguida movimenta o braço
direito e aponta para uma cadeira na sala de estudos, que vem em
direção a ele. O mago a coloca junto a outra onde
estava sentado a poucos instantes o seu aprendiz.
-
Interessante leitura, jovem. - fala o arcano - Sente-se comigo e
conte-me. De que fala este diário?
-
Aventureiros que vieram desta época para o passado e devolveram
as Tábuas da Fé à Ao, o Pai dos Deuses. - responde
Eran, sentando-se. - Eles até mesmo conheciam à Elminster,
o lendário mago de Vale das Sombras
-
Então leu bastante. Entre estes personagens existe um chamado
Marlus Radamon, mais conhecido pelo nome de Garth. Ele voltou no
tempo para vingar a morte de seus pais.
-
Sim. Parece-me um tolo este. O tempo todo estava atrás de
objetos mágicos. Era muito obcecado...
-
Ora seu pequeno verm...- Manto Negro prepara-se para gritar, mas
logo se controla - Eran, meu carissímo aprendiz... Vê
estes objetos mágicos ao redor de você. Garth os colecionou
e aprendeu muito com eles e com as aventuras para coletá-los.
-
O senhor o conhecia, mestre?
-
Claro. - Manto Negro retira o capuz e em seguida a máscara,
para a surpresa de Eran. Revela-se um homem de cerca de 45 anos,
com cabelos lisos e negros, exceto por uma mecha branca - Eu sou
o Garth deste livro.
-
Me perdoe novamente, mestre. Não sabia... - desculpa-se o
aprendiz
-
Estou ficando de coração mole, Eran. Em uma outra
ocasião talvez o transformasse em uma rã por alguns
dias para aprender, mas não farei isto.
-
Mestre. Já que é o Garth do livro, por favor esclareça-me
uma curiosidade: quando matou o assassino de seus pais, naquela
época, mudou a história. Os novos eventos não
deveriam fazê-lo ser uma pessoa diferente?
-
Vejo que é inteligente, aprendiz, ao pensar nestas coisas.
Ao certo não sabia o que iria acontecer. Mas a realidade
é que não desapareci da existência após
este fato nem tão pouco tornei-me diferente. Sei que hoje
existem dois de mim: Um bondoso jovem que é um comerciante
de 26 anos em Sitrânia, segundo apurei, e eu, de 47 anos,
que estou diante de você. Para que nunca houvesse confusões
adotei esta identidade e passei a usar esta máscara. Portanto
deve guardar segredo. É a primeira pessoa que sabe, depois
de 20 anos.
-
Sim, mestre. Guardarei o segredo com a vida. E esta jóia
vermelha. É alguma lembrança?
-
Não exatamente. Em uma taverna em Águas Profundas
perdi um jogo de dados para um elfo chamado Arthos Darkfire. Disse-lhe
que pagaria quando pudesse. E guardei esta gema. Ainda farei o pagamento
quando meus antigos companheiros passarem próximos de Estrela
Vespertina novamente. Eles voltaram depois da aventura aos tempos
atuais e se os conheço, devem estar salvando alguém
em algum lugar.
-
Irá com eles, caso voltem? - pergunta o aprendiz.
-
De jeito nenhum! Agora sou um mago de alto nível e não
vou mais me meter em buracos sujos, nem que disto dependa todos
os reinos de Faerun. Já tenho aqui tudo o que preciso e agora
basta-me estudar. Estes aventureiros são um tanto quanto
piedosos demais com os inimigos, mas são pessoas boas e leais.
Um dia gostaria de tomar uma xícara de chá com eles.
Mas agora chega! Levante-se e vá estudar!
Garth
e Eran saem da sala. O mago a tranca cuidadosamente. O aprendiz
agora volta-se com afinco ao estudo, que não mais lhe parece
maçante. O seu mestre conhecera a Elminster e deuses, participara
de inúmeras aventuras, o que o inspira ainda mais a compreender
a magia e dedicar-se a um dia ser um dos aventureiros de Faerun.
Garth, o Manto Negro, sorri para o garoto, vendo nele um pouco do
que já foi e recoloca sua máscara novamente.
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