
Por Ricardo Costa
|
Os
Últimos Dias de Glória - Contos
O
nascimento de uma aventureiro
O início das aventuras de Kariel
Do
alto da Montanha do Mirante é possível admirar o verde
mar formado pelas copas de milhares de árvores da Floresta
Alta. A tranquilidade e paz proporcionada por esta bela vista deste
pedaço do Norte, inspiram os elfos de Kand, que edificaram
jardins e bancos de finos ornatos, para tornar ainda mais agradável
seus momentos de reflexão. Hoje, o céu claro e a leve
brisa úmida que sopra do vale do rio do Unicórnio
são os anfitriões de dois visitantes, que miram o
horizonte. Um jovem elfo, de cabelos e olhos azuis como o firmamento
e sua irmã, de cabelos dourados e olhos de esmeraldas, de
beleza rara até mesmo entre o sublime Povo Antigo. Eles sonham
em silêncio, até que o rapaz transforma seus pensamentos
em palavras:
" Rena",
diz o elfo, ainda fitando a paisagem , " Vê a linha do
horizonte, além das árvores... Não tem vontade
de um dia ir até àquelas terras distantes? Encontrar
as cidades humanas, os anões e outros seres fantásticos
que vivem além de nosso mundo?"
"Kariel, o sangue de elfo-da-lua
herdado de nossa mãe corre forte em suas veias e te faz mais
sonhador do que eu, mas confesso-te minha curiosidade, sobretudo
pelos conhecimentos mágicos e pelas artes que existem além
de nossas fronteiras."
"Com sua habilidade em magia,
Rena, aprenderia muito com as novidades que poderiam ser reveladas
por estes novos caminhos. Quem sabe... atingiria altos círculos
como maga".
"Talvez, Kari. , diz com ternura
a elfa, enquanto vira-se para o irmão, Mas tu, dentre nós,
és quem aproveitaria melhor estas experiências. És
tão bom quanto eu nos encantos ensinados pelo mestre Marlan
e ainda sois graduado na Guarda da Cidade. Teu arco e espada são
hábeis. Tens como aproveitar o que há de bom e defender-te
dos perigos. Porém sabes da posição de nosso
pai sobre este assunto.
"Sim, Rena", os olhos de
Kariel ficam um tanto tristes, " Nosso pai não aprovaria,
de certo. Ele conhece bem os perigos que destruíram Kand
no passado e que levaram nosso tio ao desaparecimento. Além
disto, de nós, príncipes, os riscos desnecessários
são afastados pelo bem de nosso povo. Temo que durante muito
tempo, aquela diminuta linha de terra além da Floresta Alta
permaneça distante de nossos olhares e curiosidades.",
finalizou o jovem elfo. Rena aproxima-se do irmão e senta-se
bem perto, ao seu lado. De uma pequena bolsa de tecido verde, retira
uma flauta.
" Não
desanimes, Kari. Nossa vida é longa e graças a Corellon
teremos muito por viver. Por certo um dia conheceremos o mundo.
Alegra-te. Tenho uma nova harmonia para mostrar-te. Ouça."
A bela elfa então levanta e prepara seu instrumento, enquanto
o vento balança seus cabelos. Toca uma melodia vibrante,
que preenche os seus corações de alegria e esperança.
O Sol começa aos poucos a esconder-se e o celeste manto a
enegrecer. Após o fim da música, Kariel sorri e aplaude,
recebendo em retorno uma saudação e o semblante feliz
de sua irmã. O príncipe então diz:
"Rena. Tenho que ir agora. Tenho
alguns afazeres. Estou concluindo meu estudo de Língua Humana
e não é elegante um atraso ao fim do curso."
" Claro, Kariel", fala a
princesa , "Ficarei um pouco mais. Verei Selûne subir
aos céus e as estrelas acenderem. A noite será muito
bela."
"Pois bem, irmã. Aguardo-lhe
para a refeição", Kariel aproxima-se e beija
suavemente a face de Rena e começa a descer a montanha, ainda
com os pensamentos muito além dos limites das árvores.
Repentinamente ouve-se um grito.
"Rena!", exclama Kariel,
reconhecendo a voz de sua irmã e retorna ao Mirante o mais
rápido que suas pernas podem levá-lo. Ao chegar surpreende-se.
Sua face se contrai ao ver a bela princesa, vertida agora em uma
estátua de pedra sem vida. Kariel não compreende e
aproxima-se desesperado. Toca , examina e constata. As roupas, os
objetos e as feições congeladas não deixam
dúvidas. É realmente Rena. Kariel retira das costas
seu arco e prepara uma seta. Entre pedras e arbustos, procura pelo
responsável por tal nefasto acontecimento. Persegue um ruído
do farfalhar de folhas a alguns metros de distância a sua
frente. O caminho torna-se difícil, pelas pedras e pela vegetação,
que tornara-se densa demais para permitir uma clara visão.
Mas nenhum obstáculo abala a corrida de Kariel.
Um grito inumano
irrompe a frente. O elfo, alerta, para e cautelosamente dá
alguns passos comedidos a frente. Vê que em meio a vegetação
um precipício se ocultara e que por sorte não caíra
de encontro à morte. A criatura que perseguia provavelmente
não conseguira percebê-lo a tempo e o grito que ouvira
foi provavelmente o seu derradeiro. Kariel então retorna
para o Mirante. Pretendia remover a estátua de sua irmã
do lugar, porém grande era o peso e a possibilidade de quebrá-la,
causando uma tragédia ainda maior. Deixou-a no lugar. "Algo
deveria reverter o feitiço!", pensava, "Algo teria
que reverter o encanto!". Desceu velozmente a Montanha. Seu
destino era a morada do Mestre Marlan, único humano de Kand
e especialista nas artes mágicas. Corria e rápido
como flecha atravessava as ruas estreitas entre as casas do Reino,
causando a curiosidade e espanto dos que o viam, o príncipe,
em tão desabalada pressa.
Chegou então
a casa do seu mestre, construção simples em pedra
e palha, sem a beleza única da arquitetura élfica.
Bateu a porta com força e insistência. Esta rapidamente
abriu-se revelando um homem de seus 60 anos, calvo, barba grisalha
e cheia, corpo arredondado e baixo. Segurava uma lâmpada e
estava espantado.
"Calma,
jovem alteza!", disse o homem, " Assim quebra-me a porta!
Não estais assim tão atrasado para tuas aulas."
"Mestre...", prossegui Kariel,
que ofegava e transpirava muito, após tanto correr, "Aconteceu
algo terrível com Rena. Estavamos no Mirante e desci para
encontrá-lo. Ouvi um grito. Quando retornei ela estava convertida
em uma estátua."
Marlan ouviu
e refletiu por alguns instantes. Pediu para ser levado até
Rena e mais nada explicou. Kariel então subiu com o seu mestre
na Arte Arcana. A desenvoltura e leveza do elfo na escalada noturna
constratava com a dificuldade do humano, que, mesmo com a lua cheia
quase nada enxergava. Kariel, várias vezes retornara para
ajudá-lo. Ao chegar no Mirante, o mago sentenciou.
"Kariel.
Devemos falar com o Rei, seu pai. Fora um poderoso encanto certamente.
Não creio que qualquer xamã orc desta região
tenha conhecimento para provocar este mal. É provável
que tenha sido alguma criatura ou animal de propriedades mágicas."
"Pode reverter o encanto, Marlan?",
pergunta ansioso o elfo de cabelos azuis.
"Infelizmente não, meu
caro aprendiz", disse o homem com tristeza, "Não
disponho deste nível de conhecimento. Vamos ter com o seu
pai agora. Levarei Rena deste local. Não podemos arriscar
que ela se destrua."
"A estatua é pesada, mestre.
Para descer a Montanha precisaremos de uma equipe."
"Não te preocupes com
isto! Mesmo não podendo salvá-la ainda posso servir
para alguma coisa", Marlan ergue sua mão em direção
a Rena e a estátua flutua. Ele segura em uma das extremidades
e ela desliza pelo ar, os acompanhando enquanto descem em direção
ao Reino.
Ao chegar à
cidade, os elfos começam a estar em volta de Kariel e Marlan.
Estão espantados, apreensivos, tristes. Pensam sobre o que
terá acontecido a princesa, cuja delicadeza e música
a tantos encantavam. Porém, não se atrevem a interromper
o rápido caminhar do príncipe. Ele parece por demais
triste e seus olhos estão marejados. Seguem o caminho até
o pequeno, mas belo Palácio Real. Durante o trajeto, o único
elfo que sentiu-se com liberdade suficiente para interferir foi
o Capitão da Guarda, Antherion, melhor amigo de Kariel e
seu instrutor de armas. Ele segura o braço do príncipe
e pergunta:
" O que
aconteceu Kariel? Esta estátua...".
"É Rena, Antherion. Ela
foi transformada em pedra", interrompeu Kariel.
"Como? E por quem?", Antherion
confuso, tentava entender. Marlan volta-se então para o capitão
da guarda e diz:
" Guarda tuas perguntas, Antherion,
e vindes conosco. Iremos explicar ao Rei este trágico fato."
Atravessando
os portais prateados do Castelo vão em direção
a Sala do Trono. O Rei, ou Coronal, conforme chamam os elfos, os
encontrou antes mesmo de abrirem as portas da sala. O Rei Reliel
era um elfo cuja idade já ultrapassava a casa dos 600 anos
e tinha o porte altivo dos elfos dourados.
"Por Corellon!
O que houve?", aproxima-se da estátua da filha e a tristeza
percorre seu coração. A face de seu filho Kariel e
de companheiros e suas experiências como aventureiro, há
séculos passados, o fizeram deduzir a natureza daquela grave
situação. Então lágrimas correm de sua
face ao ver a estátua. Balbucia, então o Coronal.
"Rena...minha filha...feita em pedra! Quem é o responsável
por isto?"
"Não sabemos, pai",
diz Kariel , "Marlan acha que talvez tenha sido um animal encantado."
" Marlan, como poderemos reverter
o encanto. Deve haver algum modo, dentre os sortilégios...Algo
deve existir... ", fala o monarca, recompondo-se das lágrimas
insistentes.
"Majestade. Infelizmente não
há nada que eu possa fazer. Porém fora nos Reinos
existem possibilidades... Há, próximo daqui, uma grande
cidade humana, conhecida como Águas Profundas. Lá
existe um poderoso mago conhecido como "Bastão Negro".
É semi-recluso este homem e é difícil ter com
ele uma audiência, mas pode ser um ponto de partida.
"Um mago humano...Uma cidade
humana?!", interrompe o monarca , "Perdoe-me Marlan, mas
depender dos de sua raça me faz ainda mais triste. Conheço
a violência e a ganância, as traições
e guerras de teu povo", o rei para por um instante, pensa,
olha para a estátua e resigna-se. "Porém, devemos
tentar as possibilidades, por Rena."
"Deixe-me ir, pai. Irei ao exterior
e procurarei dentre os homens o conhecimento para restabelecer Rena",
diz decidido o príncipe.
"Tu, Kariel?, Reliel fala com
uma voz de reprovação. " Logo tu? Enviaria eu
um filho para perder-se no mundo exterior, como meu irmão?
Está fora de questão. Haverá alguém
mais qualificado para isto. Antherion...", o monarca volta-se
para o Capitão da Guarda e seu sobrinho, " Prepara teu
homem mais qualificado para esta missão."
"Senhor... ", fala com cuidado
o guerreiro, "Posso ser eu próprio o voluntário,
mas depois de mim, o príncipe Kariel é o mais qualificado
homem de armas de Kand. Ele é jovem, mas já bastante
hábil tanto no arco, quando na lâmina. E domina outras
habilidades que eu não possuo."
O Mago Marlan também interfere.
"Majestade. Sou mestre de vosso
filho e ele é também apto em algumas magias e ensinei-lhe
a Língua Humana Comum, com a qual hoje tem familiaridade.
Creio que a missão está a altura dele."
" O que me dizem?!", Reliel
irrita-se, " Que devo mandar meu filho para arriscar-se!?"
"Não, meu Senhor.",
diz Marlan, "Dizemos que ele é o mais adequado dentre
nós para completar esta missão."
"Deixem-me a sós com Kariel,
por favor!", pede o Coronal. Marlan pousa a estátua
na Sala do Trono e, juntamente com Antherion, se inclina respeitosamente
e parte. O soberano olha para a filha sem vida e fala ao príncipe:
" Filho, sabes o que me pedes?"
" Sei, meu pai. Tenho confiança
que trarei Rena de volta. Estou preparado. Ouviu Antherion e Marlan."
"Perdi meu irmão e Eleannor,
em algum lugar nos Reinos. E sua mãe, Kariel... ", a
voz do Rei novamente fica embargada. "A vida de Lorienne também
foi ceifada no exterior. Não quero que o mesmo aconteça
contigo."
"Tenha confiança, pai",
fala o príncipe, pousando a mão no ombro de Reliel.
"Não sou um cortesão indefeso. Sei de sua aflição
e a compreendo, porém não devemos temer os desafios,
principalmente se achamo-nos preparados para enfrentá-los.
Peço-lhe que dê-me esta oportunidade de demonstrar
meu valor. "
"És como tua mãe,
Kariel", o Rei vira-se e olha para o filho. "Ouves o chamado
do mundo. Eu sei. Sempre foste curioso, perguntando-me desde cedo
sobre as terras além de nosso lar. Lendo sobre os humanos
e suas histórias. Sempre soube que Kand seria pequena para
ti. Tua irmã também sente impulsos semelhantes, porém
tem a paciência dos elfos dourados. Confio em ti e esteja
atento com os N´Tel Quess. Prepara teus equipamentos e escolta.
Sentiremos tua falta."
"Pai...irei sozinho. Uma escolta
de elfos chamaria muita atenção em um reino de humanos.
Estarei oculto se possível, ouvindo e observando algo que
me leve a cura para Rena."
"Será ainda mais perigoso
então. Porém, ainda assim devo confiar em meus conselheiros
e no meu filho. Tenha cuidado e voltes." Pai e filho abraçam-se.
Ainda naquela
noite triste, os clarins anunciam o pronunciamento do Coronal. O
povo do pequeno Reino se aproxima para ouvir seu soberano, ao qual
os feitos passados de coragem e capacidade angariaram respeito e
admiração, além de qualquer dever regido por
regras de vassalagem. Reliel, surge então na sacada da janela,
acompanhado de seu filho Kariel, Antherion, e o Mestre Marlan.
"Meus leais
irmãos. Uma tragédia abateu-se sobre minha Casa esta
noite. Informo-vos que minha filha Rena foi, por forças desconhecidas,
convertida em pedra. Nosso Reino, distante que se encontra da glória
dos magos do passado, não é capaz de reverter o sortilégio
sinistro", neste momento, muitos elfos se entreolham, algumas
faces perplexas são vistas, "Rena trazia para Kand a
beleza e ternura de sua alma e a doçura de sua arte, expressa
nas melodias que a todos encantavam. Porém existe a esperança
de termos-na de volta. Meu filho, Kariel, ofereceu-se para encontrar
a cura para nossa amada princesa e eu, mesmo relutante e temendo
outro revés do destino, aceitei sua proposta, aconselhado
pelo Capitão Antherion e o Mestre Marlan. Ele partirá
ao amanhecer. Peço a todos que esta noite orem à Corellon
para que a busca de Kariel tenha sucesso e que retorne o quanto
antes para a nossa amada Kand."
O povo entristeceu-se
naquela noite. A princesa era querida no coração dos
habitantes de Kand. Andava simples, e falava com todos, desde sábios
a camponeses. Alguns passaram a admirar ainda mais a Família
Real pela coragem do Rei em permitir a partida do filho, outros
acharam isto um erro, vendo na partida de Kariel a possibilidade
do desaparecimento da descendência de seu Coronal. Mas todos
atenderam o pedido do Rei e o santuário de Corellon esteve
cheio de elfos até o amanhecer, quando muitos foram até
a saída oeste da cidade, ver o príncipe partir.
O Sol, ao surgir,
encontrou Kariel acompanhado de seu pai, Marlan e Antherion, além
de diversos outros que o auxiliavam a preparar seu cavalo com mantimentos
e armas. Já era hora de partir e ele agora recebia os cumprimentos
de despedida. Seu Mestre de Magia fora o primeiro:
"Vá,
meu jovem pupilo. Use oportunamente as poucas magias que fui capaz
de ensinar-lhe. Fique de olhos e ouvidos atentos. Em Águas
Profundas, veja se consegue encontrar o mago Khelben "Bastão
Negro". É um dos mais conhecidos dos Reinos, porém
uma pessoa difícil de se falar e de se encontrar. Senão
o achar, existem outros, portanto não desanime.
"Obrigado, Mestre.". Eles
apertam as mãos por alguns instantes.
O Capitão da Guarda, amigo
e primo, Antherion aproxima-se e abraça Kariel fortemente,
ao estilo dos guerreiros.
"Coragem e força, Kariel!
Eu mesmo gostaria de ir... sabe que meu pai está em algum
lugar abaixo daquela cidade de humanos. Porém também
sei de minhas responsabilidades e o número de orcs e outras
criaturas vem crescendo. Seria temerário deixar nosso Reino.
"Estarei atento por algum sinal
de meu tio!", responde o príncipe de compridos cabelos
azul-celeste.
Por último, o Rei despede-se:
"Que Corellon o acompanhe, meu
filho! - O monarca abraça ternamente Kariel e entrega-lhe
uma belíssima espada de mithril. Sua lâmina é
decorada com runas e símbolos de família."Leve
contigo a espada que nossa linhagem carrega há gerações".
Kariel a recebe e coloca em sua bainha, em substituição
a uma espada comum que carregava. A hora das despedidas acaba e
com um rápido aceno, o elfo deixa Kand para perder-se no
mar verde da Floresta Alta em direção ao Sul. Em direção
à Águas Profundas.
***
Este
fato aconteceu a doze anos, em 1360 CV. Kariel, então saiu
de Kand, foi feito prisioneiro por homens que queriam o seu sangue
para feitiços macabros, conheceu o mago Kelta e o selvagem
elfo Feargal. Lutou contra criaturas poderosas, encontrou o mago
Khelben e devolveu a vida a sua irmã, conheceu o amor de
uma humana e dela teve um filho, uniu-se ao seu tio perdido Elder,
teve um braço amputado em combate e o recuperou graças
aos encantos de um dragão. Perdeu a companhia de sua esposa
pelas diferenças que a vida de elfos e humanos podem trazer
e tornou-se um Escolhido de Mystra, indo além de qualquer
sonho de seu antigo mestre de magia em Kand.
Ainda
hoje Kariel, percorre os Reinos de Faerûn, juntamente com
a Comitiva da Fé, combatendo o mal e a injustiça onde
quer que estejam.
|