
Por Ricardo Costa
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Os
Últimos Dias de Glória - Contos
Kariel
e o Dragão
Kand
ficou para trás há poucos dias. Kariel ainda procura
pistas de um clérigo capaz de promover a regeneração
de seu braço esquerdo, amputado brutalmente em uma terrível
batalha, meses atrás. Seu caminho agora segue para Águas
Profundas, a maior cidade dos reinos, em busca de Khelben Arunsun,
que já o ajudou no passado.
É
início de tarde, e o príncipe elfo descansa no sopé
de uma montanha. O dia é claro e a brisa levanta as folhas
derrubadas pelo outono. Em sua breve viagem, Kariel e seu cavalo
permaneceram sozinhos, sem avistar perigos ou sequer mercadores
ou viajantes, o que lhe dá toda a tranqüilidade para
deitar e descansar um pouco.
Sua apurada audição, característica de seu
povo, não foi suficiente para perceber um estranho que se
aproximou :
-
Um elfo...que surpresa ver um elfo, diz um senhor de meia idade,
com cabelos dourados, usando uma túnica impecavelmente branca
e que segurava um cajado .
-
O quê?! Como!? Não o vi se aproximar... - fala Kariel,
levantando-se desajeitadamente devido a surpresa do encontro.
-
Não precisar assustar-se. Somente gostaria de saber... -
O homem agora observa que falta ao elfo a sua frente o braço
esquerdo - O que foi isto?! É um guerreiro?!
-
O senhor é um humano curioso...mas não tenho o porquê
esconder-lhe nada...perdi meu braço em uma batalha...
-
Humm...é uma lástima...Porém talvez possa ajudá-lo.
-
Ajudar-me? Como?! - Fala Kariel, que exaltado pega sua mochila do
chão, se aproximando.
-
Bem...meu nome é Áureo e vivo aqui próximo.
No topo desta montanha onde estamos - Áureo aponta o cajado
para o alto - existe uma caverna. Nela ouvi dizer que existe alguém
que pode curar ou até regenerar membros perdidos.
-
Agradeço, meu senhor! Meu nome é Kariel e venho de
Kand, um pequeno reino élfico ao norte daqui. Estava procurando
justamente por uma informação como esta. Se houver
algo que possa fazer pelo senhor em troca da ajuda que me prestou...
-
Não, Kariel...basta ter cuidado na sua viagem... e confiar
sempre no seu julgamento acima das aparências...- Áureo,
lentamente dá as costas para Kariel e anda em direção
de um bosque mais à frente.
-
Não entendi, senhor...porque me deu este conselho? Espere...
Kariel
anda na direção de Áureo, mas este desaparece
em meio as árvores - Deve ser um mago como Elminster...eles
sempre falam por enigmas e somem misteriosamente - pensa o príncipe
de Kand.
A
subida é penosa e a cada momento o clima fica mais frio e
o caminho mais íngreme. Os três dias de subida são
exaustivos. As paradas são raras: vez ou outra enchia seu
cantil em algum córrego e parava para comer um pedaço
de lembas, que trazia consigo. Muitas vezes a escalada era tão
difícil, que Kariel tinha que segurar-se em tufos de capim
e nas escarpas da rocha, para não se precipitar nos imensos
abismos. Após galgar uma rocha, O elfo vê um homem,
um guerreiro de armadura, que subia mais a frente. Ele escorrega
e apenas por reflexo, consegue se segurar com um dos braços,
mas o peso de seu equipamento e a altura da queda não deixam
dúvidas que sua vida está perto do fim. Kariel retira
uma corda que levava na mochila e aproxima-se do viajante:
-
Segure-se na corda. Vou erguê-lo. - Kariel joga a corda e
utiliza o tronco de uma árvore próxima como apoio.
-
Obrigado.- Diz o homem, segurando-se, enquanto é lentamente
levantado
-
Não foi nada, senhor...não o deixaria cair.
O
homem olha para a face de Kariel - Um elfo? De cabelos azuis? Nunca
vi algo assim. O que faz aqui, elfo?
-
Busco alguém que vive em uma caverna, no alto da montanha.
Talvez ele possa restaurar meu braço perdido. Meu nome é
Kariel.
-
Pois bem, Kariel.... Infelizmente você não irá
encontrar ninguém lá, a não ser um dragão,
que eu, Sir Ian de Ruarthym, terei o prazer de matar. Se havia alguém
na montanha, este já deve ter sido devorado.
-
Um dragão?! Já enfrentei estas criaturas antes...são
bastante perigosas. Acha que conseguirá derrotá-lo.
Veio sozinho para esta empreitada? - questiona Kariel, olhando para
o alto da montanha.
-
Graças a esta espada e armadura, poderei derrotá-lo.
- O guerreiro desembainha a espada, de cabo cravejado por pedras
preciosas e lâmina decorada por runas - Ela é muito
antiga e foi forjada por um mago especialmente para combater dragões.
Sua magia é extremamente poderosa. A armadura que uso também
tem propriedade semelhante contra estas feras. Então?! Vem
comigo?
-
Sim. Irei com você. De qualquer forma, ambos temos que subir.
É mais seguro que façamos isto juntos. Pela altura
que nos resta percorrer, creio que nos falte dois dias de subida.
Kariel
e Ian continuam a escalada. Nas duas noites seguintes se abrigam
em reentrâncias nas rochas. Enquanto aquecem seus alimentos
e corpos em uma fogueira, conversam sobre o passado. O
elfo conta suas experiências com seus companheiros e Ian narra
suas lutas contra os dragões, que se iniciaram quando um
deles destruiu seu feudo, há vários anos atrás.
Kariel nunca havia visto alguém tão obcecado quanto
seu companheiro de viagem. Sua vida parecia ter sido uma eterna
perseguição à estas criaturas. O rosto e braços
do homem, repleto de cicatrizes, confirmam suas histórias
.
Finalmente
conseguiram chegar ao platô mais alto da montanha. Nele despontava
uma caverna, que parecia escura e profunda. Kariel e Ian finalmente
sentam-se à entrada, descansando e admirando a visão
proporcionada pela altura.
-
Então, elfo...parece que nossa subida acabou e está
chegando a hora de matar mais um dragão -
Ian desembainha a sua espada.
-
Espero que esteja enganado. Não vim encontrar um dragão
e acredito que na minha situação não estou
apto a vencer uma criatura destas... - Kariel olha para o local
onde estaria sua mão esquerda - A magia era a minha principal
arma e agora não posso conjurá-la.
-
Não me diga que é um covarde, elfo. Saque sua espada
e me siga - Ian aproxima-se da entrada da caverna, abre sua mochila,
retira um lampião e o acende. Kariel empunha sua espada e
coloca seu elmo, o que torna imediatamente sua armadura dourada
e reluzente.
A
caverna é impressionantemente ampla. No seu alto teto, várias
estalactites, pontiagudas como lanças, foram esculpidas no
calcário da pedra pela água, que ainda hoje escorre
delas para o chão. Ian segue determinado na dianteira e Kariel
vem logo atrás. Aos poucos a escuridão do local, vencida
em parte pelo lampião segurado pelo cavaleiro, começa
a sumir, devido a uma luminosidade dourada, em um salão localizado
à frente.
Em
pouco tempo, os viajantes chegam à este local, que parece
ser o final do caminho: um precipício e uma pequena ponte
de pedra leva à um último pátio rochoso e sobre
ele, uma impressionante criatura: um dragão enorme e dourado,
que se limita a olhar os visitantes. O lampião de Ian não
tem mais nenhuma serventia. A sala já está iluminada
pelo brilho das escamas do imenso ser.
-
Finalmente !- fala Sir Ian - Mais um dragão que irei mandar
ao Abismo! - O homem parte para a ponte de pedra, enquanto seu imenso
adversário parece impassível.
-
Espere, Sir Ian! - Kariel se adianta e se interpõe entre
o cavaleiro e o dragão - Ouvi histórias sobre este
tipo de dragão. Eles são pacíficos e de boa
índole. Além disso ele já nos viu e não
parece disposto a atacar-nos.
-
Bobagem...um dragão é um dragão! Este irá
morrer como os outros. Se o monstro não quer se defender,
então perecerá mais rápido - Sir Ian tenta
afastar Kariel com um leve empurrão, porém o elfo
o devolve, com mais força, jogando o guerreiro ao solo.
-
Parece que não será somente a criatura que irei ter
que matar aqui - diz Sir Ian, levantando-se - Não devia trazer
um elfo comigo. Vocês acham que são melhores e que
sabem mais que nós humanos. Espero que sua raça, junto
com os orcs, anões e o resto destas aberrações
desapareça algum dia...Esta é a sua última
chance. Saia do meu caminho.
-
Não! - afirma, Kariel, com sua espada em riste.
-
Então irá morrer.
O
guerreiro parte para o ataque, desferindo um poderoso golpe, aparado
pela espada de Kariel. O elfo sente cada impacto da espada de Sir
Ian como se estivesse bloqueando um martelo de guerra. O humano
tem a superioridade nos combates e vai aos poucos encurralando seu
adversário contra o precipício. Desferindo um golpe
de muita força, Ian desarma Kariel, lançando sua espada
no abismo, às costas do elfo.
-
Parece que é o fim, elfo. É uma pena ter que matá-lo
depois de você ter salvo minha vida, mas este é o seu
destino.
Sir
Ian impulsiona sua espada para desferir o golpe fatal, porém,
uma fração de segundo antes, Kariel leva sua mão
ao elmo e desaparece sob as vistas do guerreiro.
-
O quê? Para onde foi o maldito? - Exclama Sir Ian, confuso.
-
Aqui estou!
A
voz de Kariel surge desta vez às costas do humano que vira-se
para ver o seu oponente, e recebe um violento soco, que o desequilibra,
fazendo cair de costas no abismo que parece não ter final.
-
Parabéns, Kariel - Uma voz possante e ao mesmo tempo serena
ecoa pela caverna. O dragão resolveu falar - Agradeço
por ter me defendido. Você mostrou que consegue enxergar acima
das aparências. Aquele guerreiro era a verdadeira fera aqui.
-
Sim...- Kariel olha para as profundezas do precipício e volta
seu olhar novamente para o dragão. Um homem, no pé
da montanha, me advertiu sobre as aparências...
-
Um homem chamado Áureo, presumo - a criatura parecia sorrir
- Pode-me chamar assim. Aquela forma é uma das quais posso
assumir, graças à alguns artifícios mágicos.
Sou muito antigo e ao contrário de meus parentes malignos,
que buscam apenas o poder, utilizei minha idade para acumular alguns
conhecimentos úteis que me permitissem certos truques. Sei
o que deseja, Kariel. Quer abraçar novamente sua esposa,
erguer ao alto o seu filho, praticar a magia e aventurar-se com
seus amigos. Li isto em sua mente assim que falei com você,
dias atrás.
-
Isto, Áureo, é o que mais desejo no momento. Pode
ajudar-me? - questiona Kariel, aproximando-se do dragão dourado.
-
Observe!- sentencia, Áureo.
Pequenas
luzes luminosas, douradas como as escamas do dragão, partem
de suas mãos, enquanto este gesticula. Os diminutos pontos
flutuam e migram para o braço esquerdo de Kariel, onde se
aglomeram e ficam cada vez mais brilhantes. Aos poucos vão
ganhando a forma do membro perdido e repentinamente o brilho cessa,
dando lugar ao braço regenerado.
-
Pela sorte de Tymora! - Kariel gesticula e faz levitar uma rocha
- Isto é sensacional! Obrigado Áureo.
-
Não é necessário agradecer-me. Diga-me...Você
disse que era do reino de Kand. Irá voltar para lá?
-
Sim. Minha família está no reino. Irei ao encontro
deles assim que descer esta montanha.
-
Estou indo para o Norte. - Áureo abaixa-se completamente,
à frente de Kariel - Posso levá-lo até as proximidades
de sua cidade. Já montou um dragão, Kariel?
-
Não, mas hoje será o dia em que terei esta honra.
O
príncipe elfo de cabelos azuis, senta sobre o pescoço
de Áureo, que alça vôo pela caverna e em seguida
ganha os céus, em direção ao Norte.
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