Ela
era mais alta do que eu esperava. A pele obsidiana,
as curvas graciosas, o liso manto negro, o olhar
penetrante da desconfiança friamente controlada
– tudo isso foi o que eu imaginei enquanto a
criava.
Ou, para dar voz à questão que sempre surgia:
Eu a havia criado?
“Ierembree”, eu a comprimentei pelo nome,
curvando-me baixo, cuidadosamente, a três longos
passos fora de seu alcance.
Os olhos dela lampejaram, e ela atirou-se
para longe de mim, o manto girando acima de
seus pés desnudos. “Você é o escolhido”, ela
disse quase com aversão. “Venha”.
Agarrando minha nova cópia de Silverfall
[Queda Prateada] como se ela fosse
algum tipo de escudo que pudesse me proteger,
eu segui a sacerdotisa drow pelo caminho gramado.
A faixa de grama viçosa seguia adentro da
floresta, que não se parecia em nada o meu próprio
pedaço de floresta coberto de neve, e eu duvidei
que ainda encontraria isso em minha floresta,
não importa o quanto eu caminhasse e procurasse.
Como uma chama negra ondulante, Ierembree foi
à minha frente, e cada passo seu era como uma
dança graciosa.
Nós subimos um cume florestal, ziguezagueando
pelo caminho e esse era circundado de seixos
com veios de musgos e árvores retorcidas que
eu nunca tinha visto antes. Uma grande extensão
de copas de sombras, que certamente não estavam
no interior da minha região de Ontário, ergueu-se
como um feixe de gigantescas flechas negras
diante de nós, e nossa trilha de grama macia
procurava um caminho transitável ao seu redor.
Procurava e encontrava, alcançando uma
pequena depressão onde minha graciosa guia se
juntou a uma meia dúzia de companheiras sacerdotisas
de Eilistraee, que permaneciam paradas em linha
com os olhos fixos em mim, com muitas pontas
de espada negras e prontas.
“Prossiga sozinho. Não se afaste do caminho
se deseja viver”.
A voz de Ierembree era tão friamente hostil
quanto a de qualquer professora matriarcal que
eu havia antipatizado em minha juventude, mas
eu a agradeci cordialmente, permitindo a admiração
que sentia por ela – por todas elas, togadas
e descalças e proibidas: magníficas foi
a palavra que saltou à minha mente – aparecer.
Sua face pareceu suavizar-se por um instante,
antes que ergue-se o braço imperioso e apontasse
o caminho acima.
Eu acenei e segui, sem precisar me voltar
para saber que elas permaneciam em uníssono
no caminho para me observar. Eu podia sentir
seus olhos perfurando minha nuca.
As brumas espiralavam próximo de mim agora,
fria e pegajosa, e isso parecia mais negro entre
as árvores. Estranhamente meu livro pareceu
brilhar em minha mão.
Eu segui, até que os largos passos me
levaram para fora das brumas e da escuridão,
para uma suave luz do sol e pássaros cantantes
e uma floresta por trás dessa muralha de copas
de sombra. Lá havia uma pequena cabana de pedra.
Ela era coberta com colmo e tinha as janelas
fechadas, não havia nenhum filete de fumaça
subindo de sua chaminé. Ela parecia velha, com
musgos e ramos de ervas crescendo por entre
seus blocos de pedra manchados de líquen.
Eu nunca havia visto esta cabana antes
em qualquer dos meus devaneios, mas o caminho
não levava a qualquer outro lugar. A velha parede
de pedra encarava-me exibindo uma única porta
que se abriu silenciosamente para o interior
à minha aproximação, revelando a escuridão.
Suspiro. Eu não me recordo de escrever
um Reinos no qual até mesmo as construções
pareciam sentir a necessidade de impressionar,
mas… eu permaneci à soleira com mas confiança
do que realmente sentia, ondulando meu Silverfall
[Queda Prateada] diante de mim como se
fosse um feixe de ingressos em busca de um porteiro
ausente.
“Sim, sim, nós lemos isto”, uma voz feminina
de baixo tom disse, disfarçando divertidamente
tons levemente roucos. “Entre e seja bem vindo,
de modo que a porta possa fechar.”
Obedientemente eu dei dois firmes passos
para dentro da escuridão, que prontamente caiu
como uma cortina para me deixar rapidamente
diante de uma mulher com cabelos cor de prata
encostada em um pilar central, os braços cobertos
pela armadura, cruzados sobre o tórax, a cerca
de um palmo de distância à minha frente.
Dove Garra de Falcão, exatamente como
eu a imaginara. Apenas maior.
“Ahn”, eu disse brilhantemente, “olá”.
“Você vem no momento oportuno”, esta bem
formada guerreira saudou-me, sua voz profunda
tão seca quanto o da areia do deserto. Esta
não era a voz que havia me recebido à porta,
e eu olhei em volta rapidamente.
“Sim, estamos todas aqui”, Dove confirmou,
uma mão de dedos longos apanhou Silverfall
[Queda Prateada] de meu aperto e lançou-o
girando pelo aposento, onde uma mulher de manto
negro fez um gesto rápido e o congelou no ar,
para girar e tombar suavemente em um local.
Engoli em seco. Todas as Sete famosas
Irmãs, ainda mais belas do que eu havia imaginado.
Altas e destemidas à minha volta, caminhando
suavemente… muito próximo e muito real.
Eu tentei um sorriso, mas o senti caindo
de minha face. Seus olhos eram… muito sábios,
muito conhecedores. Como todas as minhas tias
e avós juntas, vendo diretamente através de
mim e sabendo exatamente quem e o que eu era.
Eu disse a primeira coisa que me veio a cabeça.
“Eu… eu sinto com se eu devesse ajoelhar”.
Estrelas acima, mas elas eram belas.
A mulher de manto negro – que podia apenas ser
A Simbul, A Bruxa-Rainha de Aglarond – sorriu
finamente. Meus olhos foram capturados e retidos
por um despido e bem formado ombro, esquadrinhando
pelos farrapos de seu vestido peles de animais.
Por que ele era pouco mais que trapos, e a deixavam
desnuda em toda sorte de lugares…
“Olhe dentro de si mesmo”, ela disse quase
enfadonhamente. “Homem”.
“Como Alassra ia dizer, antes que você…
aham… fizesse o uso desembaraçado de seus olhos”,
disse a delgada drow com um murmúrio, “você
pode fazer mais do que ajoelhar-se por todas
as bobagens que escreveu sobre nós”. Qilué arqueou
um longo dedo, escuro como a meia-noite, e o
rodopiante Silverfall [Queda Prateada]
foi subitamente envolto na crepitação de chamas
azuis e púrpura.
Eu abri minha boca em protesto, mas tudo
o que saiu foi um tipo de chiado.
“Agora, agora, ele já está assustado o
bastante”, uma voz como um mel tenramente aquecido
disse de perto atrás de mim. “Bobagens elas
podem ser, mas elas possuem uma graça redentora,
pois todas são verdade”.
Eu voltei-me, certamente. Para ver dentro
dos olhos de Storm Mão Argêntea, flanqueada
por duas de suas irmãs – Laeral e Alustriel.
E foi Alustriel quem falou, “De fato, mas tão
seletivamente redigido que é quase uma verdade
mentirosa, mostrando apenas um vislumbre disso
e um vendaval daquilo, como os ‘vídeos de rock’
dos quais aquelas crianças estavam rindo no
ultimo verão, para dar uma impressão muito
distorcida de quem somos, e o que fazemos”.
“Honráveis damas”, gaguejei, “Eu… eu nunca
clamei estar fazendo algo mais que ficção. Ademais,
eu tentei mostrá-las como realmente são, realmente
eu fiz, e…“.
“Obteve sucesso admiravelmente”, Laeral
disse desdenhosamente, “especialmente a parte
do ‘show’. Por que alguém que lesse aquele trabalho
imortal de profunda literatura se convencerá
que passamos todo o nosso tempo despidas, ou
fazendo amor, ou ataviando-nos como dançarinas
exóticas?”.
“Bem, irmã, mas é o que fazemos”,
Alustriel disse gentilmente, fazendo um gesto
com um braço bem formado que atraiu meus olhos
indefesos para brilhos intensos por debaixo
de seu manto, que suavemente iluminava as ainda
mais suaves curva de seus encantos…
“Oh, Lustra, pare com isso”, Dove
disse severamente. “O pobre homem ainda não
sabe para onde olhar. Olhe para ele, ali trêmulo,
pensando que iremos explodi-lo ou transformá-lo
em uma rã… depois de rasgar nossas roupas
e posarmos todas em volta dele até que
seus olhos percam para sempre a habilidade de
focalizar, certamente. Apenas humilhe-o por
mais alguns momentos, forneça-lhe um penico
antes que ele faça o piso umedecer, e deixe-o
ir. Há crimes piores que escrever livros fantásticos
a nosso respeito, você sabe”.
“Sim”, Storm concordou. “Eu sou a única
sobre a qual ele está escrevendo todo um livro,
lembra-se? Ainda que este seja tão fantástico
e ahn, lascivo quanto este, eu gostei
dele. Uma boa leitura, tão logo ninguém acredite
que eu seja daquele jeito… e eu não acho que
pensem”.
Um longo e forte braço agarrou-me pelos
ombros e me pressionou. Seu toque era quente
e formigante, e eu temo que… bem, chorei.
Storm colocou-me contra seu corpo como se fossemos
estimados amigos posando para uma fotografia,
em frente à cabana cheia de suas Irmãs e perguntou,
“Bem? Alguém sente uma necessidade verdadeiramente
desesperada de mutilar ou açoitar o homem que,
por todas as suas faltas, introduziu-nos ao
seu mundo?”.
“Este é um crime que a mera mutilação
não pode reparar”, disse Qilué friamente.
A Simbul afastou-se dela com olhos cintilantes.
“Quão ingrata você pode ser, Irmã? Nós
duas, entre todas aqui, deveríamos agradecer
este homem por tornar nossa verdadeira natureza
e ofício claro para todos! Açoite-o se puder…“.
“Não, não o faça”, uma nova voz disse
secamente, à medida que algo fantasmagórico
começava a se formar no ar em frente ao meu
nariz. “Muitas vezes foi dito o quanto ele aprecia
esse tipo de coisa. E após observá-lo secretamente
por alguns meses, agora…”.
“Syluné!”
“Não soe tão chocada, Lustra. Ou você
estava pensando que havia feito de tais jogos
um prazer exclusivo, hein?”.
“Certamente que não, Irmã. Mas você, de
todas nós, espionando!?”.
“Lustra, Eu estou morta. Espionar
é quase tudo que eu ainda posso fazer. A menos
que eu me aproprie de um corpo para sentir o
gosto do eco fraco e secundário de comer e bater
meus cotovelos nos batentes e acariciar…“.
“Sim, sim, sim,” A Simbul rompeu.
E então sorriu astutamente. “Então, você tem
observado este Ed do Verde Bosque [NR: trocadilho
com Greenwood] secretamente por alguns meses,
hein? E justo daquele corpo você se apropriou
para fazer isto, hein?”.
A cabeça incorpórea e translúcida flutuando
à minha frente sorriu, seus cachos ondulantes
rodaram suavemente no ar como tentáculos divertidos.
“Dele, certamente”.
Repentinamente, eu realmente precisava
daquele penico.
“Então”, Storm murmurou, conduzindo o
que parecia uma caneca de porcelana de tamanho
desproporcional à minha mão e dando tapinhas
em meu cinto significativamente, “como sabemos,
você não escreveu aquilo, Irmã, apenas
pegou este campeão barbado aqui para dar um
passeio?”.
Subitamente eu senti como se precisasse
de meus medicamentos para o coração mais urgentemente
que do penico, e digo mais.
Meu segredo revelado evocou uma onda de
risos joviais, e fui tratado como espetáculo
das mais belas mulheres que meus olhos já deitaram,
gargalhando como marinheiros, curvando-se e
agitando-se com jovialidade, e dando tapas em
itens da mobília.
“É exatamente assim que me sinto quando
leio isto!”, A Simbul gritou, e iniciaram tudo
de novo.
“Vá”, disse a voz de Syluné em meu ouvido.
“Vá agora. Elas ainda não dominaram a Trama
como eu, e então não reconhecem esta minha pequena
magia. Ademais, vá enquanto você pode, homem.
Como um jornalista de longa data lhe disse,
qualquer entrevista da qual você possa fugir
é uma boa entrevista”.
Devolvi-lhe o penico – ou tentei devolver
– e precipitei-me pela porta.
Minha última visão das Sete Irmas foi
Storm mergulhando contra o piso como o mais
gracioso jogador de futebol que eu já vi, de
modo a agarra o penico a centímetros do chão,
prestes a se espatifar contra as lajotas. Ela
salvou o penico sem mesmo olhar para ele: seu
rosto estava voltado para minha direção, e estava
piscando.
Eu não – de todo – saltei de árvores em
meu caminho de volta pela trilha, mas eu nunca
havia corrido tão rápido em toda minha vida.
Sete sacerdotisas drow passaram como uma
mancha. Elas pareciam estar rindo e aplaudindo
enquanto eu passava, a rodopiante conflagração
de minha infeliz cópia de Silverfall
[Queda Prateada] dardejando atrás de
mim.
Ah, mais clientes satisfeitos…
Leia mais sobre as Irmãs no romance Silverfall
[Queda Prateada] escrita por Ed Greenwood.

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