Encontro Interpretativo?
Um dos termos mais estranhos na comunidade de jogo
D&D é “encontro interpretativo”, que
geralmente significa algum tipo de encontro
com conversação. O Livro
do Jogador diz em sua primeira sentença:
“Este é o Jogo de Interpretação de Dungeons
& Dragons,
o jogo que definiu o gênero e estabeleceu
padrões para a interpretação de fantasia
por mais de 30 anos”. Então, não seriam
todos os encontros no jogo de interpretação
encontros interpretativos?
Sim, eles são.
A palavra “interpretação” significa “uma ocorrência
ou situação em que alguém deliberadamente
age ou assume um determinado personagem
ou papel” (www.dictionary.com), quando criando e
jogando com um personagem em D&D,
você sempre estará representando, já que
o personagem não é você.
Entretanto, ao longo dos anos, houve o crescimento
de uma idéia na comunidade de pessoas
que jogam jogos de interpretação de papel
que um encontro “interpretativo” é um
encontro de conversação, enquanto um encontro
de combate é uma luta. Na verdade, um
encontro “interpretativo” deveria ser
chamado um encontro de negociação ou um
encontro de conversação. Mas, desde que
a maioria da comunidade entende que interpretação
significa conversar (opondo-se a todas
as outras formas de como você interpreta
seu personagem), este artigo utiliza o
termo “encontro interpretativo” significando
um encontro de conversa de qualquer tipo.
Apenas lembre-se que existem outras formas
de interpretar um personagem do que simplesmente
uma conversa.
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“É
apenas um encontro de conversa. Mande o bardo
para sair tudo bem.”
Se
esta for a atitude
de seu grupo de jogo, você pode não estar planejando
seus encontros interpretativos corretamente.
O que eles deveriam estar dizendo é “Ah não,
é um encontro de conversação. Equipe o bardo
com esplendor da águia, rápido!”.
Espere,
eu disse “planejando seus encontros interpretativos?”.
Claro que eu disse. Não é porque alguns encontros
não necessitam de blocos de estatísticas que
isso significa que não são necessárias preparação
e projeção cuidadosas. Sejam quais forem,
encontros interpretativos exigem mais, já que
você tem que permitir mais opções do que apenas
o combate. Preparar um encontro interpretativo
satisfatório requer algum pensamento profundo
sobre como seus jogadores responderão à pressão,
à bajulação e assim por diante.
A
necessidade de um desenvolvimento cuidadoso
é especialmente necessária para o que são chamados
de encontros de transição, ou seja, encontros
que começam com uma interpretação, mas que facilmente
podem se tornar encontros de combate. Um diabo,
por exemplo, poderia querer conversar com o
grupo antes de destruí-los; se ele descobrir
que ambos estão procurando destruir um grupo
de diabolistas que servem um Lorde Demônio, o diabo pode até
mesmo deixar o grupo em paz, já que ambos procuram
o mesmo objetivo.
Para
cada encontro interpretativo, você precisa preparar
três coisas adiantado:
o que os PJs podem ganhar com o encontro, o
que os PdMs podem aceitar em troca e quais perícias ou habilidades
de classe irão ajudá-los no encontro.
O Que o Grupo Ganha
Encontros
de combate são fáceis; mate o monstro, pegue
suas coisas. Encontros interpretativos são mais
difíceis; PJs ainda
ganham XP por derrotar os inimigos, mas também
é possível que o grupo seja derrotado e nem
mesmo saiba disso. Enquanto o objetivo do encontro
pode ficar claro para o Mestre o tempo todo,
os PJs podem não saber
que estão lidando com encontros de passagem,
encontros de recurso, encontros de informação,
encontros de conversa-e-luta
ou qualquer outra coisa.
Passagem: O grupo ganha entrada para um local escondido ou trancado,
aprendem sobre um local importante ou ganham
um passe, uma chave ou uma senha que os leva
através de um portão ou uma câmara secreta.
O encontro todo é, essencialmente, o destrave
de uma área que eles não podem alcançar sem
completar a interação com sucesso.
Informação: O grupo ganha uma pista útil, aprende uma fraqueza para
ser explorada em um futuro encontro, ganha acesso
a magias ou livros que contenham informações
cruciais sobre o enredo ou sobre os principais
vilões.
Recursos: Alguns personagens de tendência neutra ou boa irão oferecer
ao grupo tesouro, cura, montaria, magia ou outros
recursos, se acreditarem que o grupo irá servir
à causa que ambas as partes acreditam. Estes
podem incluir uma espada mágica com um feitiço
de maldição contra algum tipo de monstro, um
conjunto de poções de cura ou moedas antigas
para subornar um rei morto-vivo
para servir ao grupo como distração enquanto
se infiltram pelas muralhas do castelo. Na maioria
das aventuras existem pelo menos alguns encontros
potencialmente amigáveis que oferecem estes
tipos de tesouros.
Evitando Combate: Alguns encontros interpretativos apenas oferecem a oportunidade
de evitar o desperdício de preciosas magias,
pontos de vida e outros recursos em uma briga
violenta. Nestes casos, é sempre bom deixar
claro que o monstro em questão pode esmagar
o grupo sem pensar duas vezes. Alternativamente,
a conversação no início de um encontro dá ao
exército do vilão tempo de cercar o inimigo
ou trazer reforços, de forma que as apostas
fiquem cada vez mais altas à medida que o grupo
conversa – aumentando a tensão sob o porta-voz
do grupo. Se a conversação culmina em um combate,
o vilão estará em uma posição mais forte do
que no começo. Estes são os “encontros de transição”,
discutidos com mais detalhes abaixo.
Estas
quatro categorias cobrem a maioria dos encontros
interpretativos.
Mentiras e Trapaças
É
ridiculosamente fácil
desencaminhar os personagens, já que muitos
jogadores parecem não notar que os PdMs podem estar mentindo para eles. Vilãos, agentes
duplos e personagens pegajosos do submundo podem
todos perfeitamente terem boas razões (ou razões
perfeitamente covardes) para não contarem a
verdade. Por exemplo, em um encontro luta-ou-conversa,
o vilão pode apenas estar falando porque precisa
adiar por um tempo enquanto seu exército de
lentos mortos-vivos se arrastam
até a cena, ou enquanto seus lanceiros e arqueiros
se movem para uma posição mais protegida para
flanquear ou algo do tipo.
Em
outros casos, um PdM
pode parecer ser prestativo, mas está, na verdade,
tentando levantar informações sobre o grupo.
Estariam eles planejando uma invasão ao forte
do necromante? Quando? Saberiam eles do túnel
secreto? Uma vez que o informante tenha contado
ao grupo sobre o túnel secreto, claro, ele irá
ter com o necromante e contará
a ele sobre a invasão planejada, vendendo, desta
maneira, ambos os lados – e fazendo com que
o encontro no túnel seja muito mais difícil,
se o necromante colocar defesas extra no local.
O
que um grupo suspeito pode fazer? Bom, existem
defesas como testes da perícia Sentir Motivação
e o uso da magia detectar
mentiras. A primeira destas é provavelmente
mais útil do que a segunda.
O Que os Monstros Ganham
As
criaturas ou personagens com as quais o grupo
interage também possuem objetivos em um encontro
interpretativo. Eles podem precisar de comida,
almas, ouro ou outros subornos monetários, elogios,
uma missão a ser cumprida ou informação para
si. Se os monstros não conseguirem o que querem,
o encontro termina em fracasso. Isto pode
significar que o grupo pode ouvir “eu posso
ajudá-los” de um sábio que consultaram, ou pode
significar que o gigante os considera muito
fraco para barganhar, decidindo, ao invés disso,
comê-los.
Na
maioria das vezes, devem-se criar encontros
interpretativos para terem três estágios: descobrir
o que o monstro quer,
a verdadeira interpretação entre Mestre e jogadores
e um teste de perícia dirigido, seja positivo
ou negativo. Se a resolução da interpretação
for negativa, o resultado, geralmente, é o combate.
Descobrir
o que o monstro quer é, geralmente, a parte
mais fácil; se o PJ perguntar, a maioria dos
monstros irá responder. Claro, a maioria dos
monstros irá pedir por mais que o mínimo. A
barganha bem sucedida do grupo irá depender
do seu estilo e perícias.
Usando Perícias e Habilidades de Classe para a Interpretação
As
classes baseadas em perícias e certas classes
de prestígio possuem habilidades como Blefar,
Conhecimento de Bardo, Conhecimento (artífice),
Diplomacia, Intimidar, entre outros, todos os
quais podem ser usados em um encontro interpretativo.
Mas quão longe estes
devem ir na interpretação entre o jogador e
o Mestre?
Isto
irá depender do gosto do seu jogador. Se um
jogador tem péssima graduação nestas habilidades,
ele não deve fazer uso delas. Da mesma forma,
personagens que não possuem boas graduações
em outras habilidades, não devem tentar sair
de situações-problema se lhes faltarem tais
habilidades.
É
preferível uma abordagem dupla. Primeiro, todo
encontro interpretativo deve incluir a Atitude
Inicial do PdM
(Livro
do Jogador, página 74). Isto determina quão
difícil é para o personagem conseguir sair da
situação através da conversa – e lembre-se que
o encontro pode ser vencido através de meios
não violentos. Se o grupo não possui a habilidade
para passar a conversa no monstro Hostil, então
boa sorte. Eles deverão sair da situação através
da luta, gastando seus pontos de vida, magias
e outros recursos no processo.
Segundo,
se mais de um dos jogadores possuírem a perícia
Diplomacia ou a habilidade Carisma para mudar
a atitude de um monstro Hostil para Neutra,
ou melhor, tente usar a conversa para se sair
bem na situação, enrolando o informante esperto
ou o vilão de bigode enrolado ou o monstro babão.
Divirta-se com a conversação, mas, no momento
crucial, quando o informante disser “Bom, eu
não deveria contar-lhes isso, mas…”, peça para
o jogador que estiver fazendo a maior parte
da conversa realizar testes de Blefar, Diplomacia,
Intimidar e Obter Informação, de acordo com
o apropriado.
Planeje
ama ficha com os testes de perícias de interpretação
antes do tempo e se fixe nela. A regra é que
a CD deve ser igual a 12 mais o nível do grupo,
de forma que se espera que um personagem com
graduação máxima em determinada perícia e certo
bônus em habilidade seja bem sucedido 75% do
tempo – e um personagem sem graduação em perícia
e sem bônus em habilidades não seja bem sucedido
em 50% do tempo.
Outras Opções
E
se o grupo não tiver nenhum personagem de perícia
elevada, ou se eles falharem em uma jogada crucial?
Existem, então, outras opções. Alguns monstros
irão aceitar subornos e pagamentos. Outros podem
ser evitados através de magia ou disfarces.
Se existir quaisquer itens, missões ou informações
que os PdMs precisem, eles devem, dessa
forma, pedir. Um grupo não está necessariamente
derrotado apenas por que suas habilidades sociais
falharam.
Encontros de Transição: de Interpretação para Combate
Uma
das melhores maneiras de fazer um combate mais
divertido é montá-lo inicialmente como um encontro
de interpretação. O cavaleiro que
se vangloria que pode empalar os membros do
grupo como porcos, o gigante que brinca com
sua comida ou o mago malvado que finge ser seu
amigo antes de traí-los em uma noite durante
a vigília da meia-noite são todos potencialmente
mais interessantes do que meramente rolar
os dados. Se o grupo for se encontrar com um
destes tipos, prepare algum diálogo de antemão
– e estabeleça a atitude inicial para Hostil.
O
truque para um encontro de transição é simples:
embora seja hostil o PdM, por maior que seja seu nível,
não irá atacar logo de cara. É claro que ele
odeia o grupo e deseja o pior para eles, mas
deseja brincar-lhes primeiro. O encontro se
parece com uma oportunidade para uma interpretação
para o grupo, e o é. Qualquer PJ que queira
trocar umas palavras, propor um único combate,
insultar a família ou tribo de seu oponente,
e assim por diante, tem tempo para tal. O PdM, no entanto, irá esperar até que esteja bom e pronto
antes de atacar – e irá usar o tempo para arranjar
as coisas a seu favor, invocando ajudantes,
alertando os guardas da cidade (maus ou corruptos),
arranjando um assassino invisível como reforço,
ganhando o favor divino de clérigos maus e assim
por diante.
O
modo mais fácil de esticar a oportunidade de
interpretação aqui é separando os lados. O PdM
pode fazer isto provocando de uma posição meio
escondida: no alto de uma torre, do outro lado
de um fosso enquanto uma ponte levadiça lentamente
se ergue, ou algo do tipo. Um dos membros do
grupo deve “mantê-lo falando” enquanto os outros
fazem suas próprias preparações.
Quando
o grupo finalmente ataca, o PdM
de maior nível já possui uma ação ou uma magia
pronta (já que ele está esperando por isto)
e pode ter seguidores escondidos também, da
mesma maneira que o grupo também tem. Se o PdM
possuir alta graduação em Atuação (atuar) ou
Blefar, ele pode enganar completamente os heróis
(convidá-los para uma refeição enquanto envenena
seus vinhos). Em casos como estes,
NÃO peça ao grupo para fazer testes de
resistência ou de Observar. Ao invés, peça por
testes de Diplomacia e Sentir Motivação. Determine
as CDs requeridas para estes como parte da preparação do encontro. Se você pedir por
um teste de Observar, os jogadores irão perceber
que algo está acontecendo e irão trapacear e
começar a se preparar para o combate quando
os seus personagens (que falharam no teste de
Observar) não deveriam estar se preparando.
Ao
invés disso, espere e arraste o grupo mais para
perto das garras do vilão. Até que alguém diga
“Ele está usando a gente”, deixe o PdM se safar. Dessa maneira, a sensação de traição é
muito mais real – porque você, como o Mestre,
na posição do vilão, também enganou os jogadores.
Quando os jogadores estiverem no mesmo ritmo,
ENTÃO peça pelos testes de resistência de Fortitude
para o vinho envenenado, os testes de Observar
para os arqueiros escondidos, o teste de Identificar
Magia para perceber a magia necromântica
nos criados e assim por diante.
Conclusão
Encontros interpretativos necessitam
um trabalho de criação e preparação para que
tenham o máximo impacto, e, geralmente, aqueles
que funcionam realmente bem são relembrados
durante muito mais tempo do que a maioria dos
combates.

Sobre o autor
Wolfgang Baur é o autor
de dezenas de aventuras, desde a “Kingdom
os the Ghouls” até a “Gathering
of Winds” para a revista Dungeon
e para futuros lançamentos da Wizards
of the Coast. Ele possui blogs sobre jogos,
ficção e coisas sobre Cthulhu
no blog Monkey King e oferece aventuras customizadas
e discussões sobre o desenvolvimento
de aventuras no blog Open Design.
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