Tudo Que Todos Precisam
Visitantes de longe que velejam para
este pequeno e isolado porto da Orla Ocidental
o chamam de maneira variada: “pequeno,
simples e cheio de cabeças ocas conformados”[1]
e “uma lâmpada brilhante de uma
sofisticação futura, no limite
dos ventos uivantes”[2].
“A vida por lá é mais como
a pastagem de vacas”, disse a dançarina
viajante Raeraera de Velprintalar, “mas
ao menos eles têm paredes de pedra, telhados
que não vazam e ruas que não são
fossas lamacentas”[3].
Marinheiros de Impiltur vêem Uthmere como
um lugar amistoso, distante e conveniente para
abastecer-se de provisões e realizar
reparos, e os mercadores de Thesk como um porto
“seguro” para comerciar com um lamentavelmente
pequeno número de pessoas que entendem
suas maneiras e preços.
O restante do Grande Vale tende a considerar
Uthmere como um lugar hostil de povo ávido
e ganancioso (“ajuntadores de moedas”)
que querem engolir todo o Vale como se fosse
seus quintais e fazendas, ignorando seus proprietários
de direito e lugares povoados como se estes
não existissem. Esta crença vem
sendo fomentada e encorajada pelo druídico
Círculo de Leth.
Membros ou aliados mais próximos do Círculo
vão além. Eles odeiam tudo que
aquele porto cercado por paredes de pedras significa
e o querem varrido do mapa ou reduzido ao que
ele já foi: um amontoado de cabanas de
pescadores e um cais com um depósito
solitário, para comerciar com os navios
estrangeiros. Eles vêem seus senhores
como seres que desejam construir um grande reino
pela opressão, espoliação
e pela edificação de construções
em todo o Grande Vale, avançando cada
vez mais rápido à medida que o
tempo passa.
Ainda assim, todos os outros Valeanos[4]
também, vêem o “Porto Uth”
como um centro de suprimentos adequado, e dizem
que o “povo uth” tem “tudo
que todos precisam” em matéria
de ferramentas de qualidade, lanternas, correntes,
trancas e dobradiças, tecidos e vestimentas,
boas botas, barris e barriletes que não
vazam, cordas e até arames e por aí
vai.
Os Uthmaares[5]
vêem a si mesmo como sendo um povo que
tem todos os benefícios de lugares maiores
(prosperidade, sofisticação, tolerância
religiosa, leis e segurança pública,
sem que haja uma opressão diária,
ao menos lampejos das últimas novidades
e modas, acesso a todos os suprimentos necessários
e aos luxos que alguém pode querer –
se uma loja uth não tiver o que procura,
um comerciante irá visitá-lo com
o que quer na próxima estação,
ou um comerciante uth irá conseguir para
você), sem os problemas que prevalecem
nas cidades grandes: casebres, crime desenfreado
e muitos “roupas esfarrapadas”[6],
preços altos e escassez, e algum tipo
de sistema de classes com nobres decadentes
e opressivos.
Aqueles que advertem que infortúnios
parecem recair sobre pessoas do povo que “tornaram-se
muito esnobes” (que querem falar contra
Lorde Uthlain ou pedir “direitos”
especiais por causa de sua riqueza e poder)
meramente ficam indiferentes: não querem
dividir suas vidas com os nobres.
Uthmere é esmagadoramente ocupada por
humanos. Apesar de alguns gnomos e halflings
terem se fixado em Uthmere (mas não mais
que uma dúzia de anões, elfos
e meio-elfos), raças “selvagens”
(mais exóticas) ou não são
avistadas ou não são bem vindas.
As tavernas das docas, estalagens, casas de
alojamentos[7],
e bordéis toleram uma ampla clientela
na forma de marinheiros visitantes – mais
um meio-orc marujo será observado de
perto o tempo todo, com os Porretes[8]
se aproximando ao menor chamado. Qualquer marinheiro
não humano que tentar “ficar para
trás” (deixar a tripulação
e se estabelecer em Uthmere) será “chamado”
pelos Porretes e firmemente ordenado a deixar
a cidade.
O racismo local não descamba para histórias
malucas sobre “estranhas criaturas”
com estranhos hábitos (comer bebês
ou sempre tentar roubar, estuprar ou assassinar)
ou em cidadãos jogando pedras e insultando
qualquer “não humano” que
vêem; é mais uma questão
de “eles estão bem em seus lugares
de origem, mas o lugar deles não é
aqui”.
Esta atitude não se estende a criaturas
cuja aparência possa passar pela de um
humano, porque o povo Uth consiste de uma ampla
variedade de humanos, e muitos ostentam cicatrizes,
tatuagens, marcas de escravidão e outras
de suas antigas vidas, como algumas escamas,
um dedo extra, ou algo que não tipifique
alguém como “não humano”.
Alguns humanos que se estabeleceram em Uthmere
vindo de outros lugares a vêem como um
monótono e afastado lugar ou um pequeno
refúgio como poucos no vasto mundo (ou
as duas coisas), mas os Uthmaares nativos vêem
sua cidade como próspera, forte e em
ascensão para galgar feitos maiores –
e tudo isto feito com sensibilidade, limpeza
e decência, sem o conflito e a bagunça
de alguns outros lugares. O mundo em volta é
às vezes selvagem, um lugar perigoso
e freqüentemente em desordem – e
Uthmere é tudo menos isto (para os cidadãos
que se submetem às leis e se preservam
de estupidamente criticar Lorde Uthlain, seus
lordelainos e os Porretes).
Notas de Rodapé
1. Lady Baelma
Murove, esposa de Moroves de Urmlaspyr, próspero
dono de uma frota naval, escreveu isto em 1371
CV, no seu livreto Desbravando o Frio: Viagens
entre as Estrelas Cadentes Com Meu Marido.
Lady Baelma, alta, esguia e de longos cabelos
é a notória “beleza negra”
de Sembia, que desde a morte de seu marido tem
sido uma herdeira muito cobiçada. Ela
guarda a si mesma com seis gárgulas (de
origem desconhecida), que são seus guardiões
pessoais e mantém alguns misteriosos
itens mágicos.
2. Estas palavras
aparecem no livreto Brilho do Ouro/Um Prospecto
para Comerciantes de Ambição,
escrito pelo rico comerciante Horth Blasko de
Yhaunn (1369 CV). O livreto pinta imagens brilhantes
sobre oportunidades e possibilidades que podem
trazer lucros àqueles que as seguirem.
Blasko é um homem gordo e jovial que
não vai a nenhum lugar sem aventureiros
contratados como guarda-costas, e diz que tem
feito tantos inimigos que precisa desesperadamente
de tal proteção.
3. Estes comentários
foram retirados do número trinta e seis
da série de folhetos (amplamente vendidos
na costa do Mar Interno) intitulada Beijos
de Raeraera. Raeraera de Velprintalar viaja
incansavelmente através dos portos do
Mar Interno com uma pequena trupe de dançarinos,
apresentando-se em clubes e estalagens, ao invés
de tavernas rudes. O divertimento é explícito,
e as Damas de Raeraera fornecem divertimentos
mais pessoais, por altas taxas, depois de cada
apresentação pública. Raeraera
é pessoalmente notória pelos seus
espetaculares encantos pessoais e seu entorpecente
“perfume do êxtase” (que ela
diz fornecer um prazer supremo). Ela vende poções
do amor e do sono, de vigor
do urso e de resistência a elementos,
e venenos.
4. "Valeano"
é um termo que significa “povo
do Grande Vale”, que vem se tornando crescentemente
popular e difundido no uso diário a leste
da Orla do Dragão.
5. "Uthmaar"
é o termo formal para “cidadãos
de Uthmere". No uso diário, as pessoas
que habitam Uthmere são chamadas simplesmente
como "uths" ou (por estrangeiros)
"povo uth". O termo formal é
usado com precisão pelos “lordelainos”
("servos dos lordes”, ou oficiais
da cidade) para designar os cidadãos,
excluindo os estrangeiros que habitam Uthmere
sob falsos pretextos (por exemplo, sem a declaração
que vieram de Telflamm ou de algum outro lugar
como um agente dos Mestres das Sombras, e/ou
que possuem habilidades, uma profissão
e um nome que diferente do que usam em Uthmere)
ou não estejam na “Tábua
dos Lordes” (os livros do censo) e que
por esta razão não estejam pagando
taxas. Se um lordelaino quer incluir tais “forasteiros”
quando quer falar ou escrever, o termo “povo
de Uthmere" é usado ao invés
de "Uthmaares".
6. O termo
“casacos esfarrapados” significa
meramente “pessoas sem lar”, mas
todos os mendigos são automaticamente
casacos esfarrapados (o significado original
do termo era “mendigo ou pessoa habitualmente
bêbada nas ruas”). Ele se refere
a todos os indesejáveis, e também
é uma maneira polida de se referir àquele
visivelmente embriagado e, por esta razão,
de “língua solta”, o que
uma pessoa de Uth poderia chamar de “estranhas
criaturas”. Pessoas nascidas e criadas
como Uthmaares tendem a desconfiar dos não
humanos, exceto dos halflings, gnomos e meio-elfos.
Eles são perfeitamente polidos com os
elfos e anões (talvez tais povos sejam
“olhados com mais cuidado”, ou vigiados),
mas eles serão breves, ou mesmo temerosos,
em relação das raças que
virem como “mais exóticas”.
7. "Casas
de alojamento" é o termo local para
pensões. Muitos proprietários
de imóveis em Uthmere alugam um ou mais
pisos para alojamentos, mas o termo casa de
alojamento é aplicado somente para edifícios
de três ou quatro pavimentos inteiramente
dedicados para oferecer quartos alugados por
mês (ou um período de três,
quatro, seis ou doze meses. Como as casas de
alojamento servem aos marinheiros (e mercadores
de caravanas e mascates, que aceitam hospedagem
em qualquer lugar), elas tendem a se agruparem
em volta das docas. Muitas delas oferecem guardas
e armazenamento seguro para valores.
8. Os Porretes
é o nome cotidiano (um termo até
mesmo usado pelos lordelainos e os próprios
agentes da lei; não é considerado
um insulto) para a força policial do
Lorde Uthlain, as Armas Vigilantes da Justiça
do Lorde. Os Porretes, que patrulham as ruas,
são uma visão freqüente em
Uthmere e serão detalhados em uma coluna
posterior. Eles são às vezes chamados
de “a guarda urbana” pelas donas-de-casa,
escribas estrangeiros e outras pessoas cuidadosas
e por “Guarda da Cidade” pelos lordelainos.
A próxima coluna apresentará
o povo de Uthmere e explorará seus edifícios,
vestimentas e hábitos.

Sobre o Autor
Ed Greenwood é o homem que lançou os Reinos
Esquecidos em um mundo que não os esperava.
Ele trabalha em bibliotecas, escreve fantasia,
ficção científica, terror, mistério e até estórias
de romance (às vezes coloca tudo isto em um
mesmo livro), mas está ainda mais feliz escrevendo
Conhecimento dos Reinos, Conhecimento dos Reinos
e mais Conhecimento dos Reinos. Ainda existem
alguns quartos em sua casa com espaço para empilhar
seus escritos.
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