Depois de avisar aos clientes da taverna que
uma cobra iria aparecer magicamente entre eles,
Darvith Raldemarr calmamente explicava que depois
que colocasse a tampa do cálice, alguém
poderia formular uma pergunta - somente uma
por noite, por pessoa - ao próprio ou
para sua filha. A pergunta poderia ser a respeito
de uma decisão futura de investimento
ou um feito a ser ou não realizado para
tornar o questionador mais rico, nunca algo
sobre o passado ou envolvendo a honestidade
ou desempenho de outra pessoa. O questionador
poderia falar alto para todos ouvirem, ou sussurrar
nos ouvidos de Darvith ou Taleena - e cada questionador
que escolhesse falar em segredo para os Raldemarr
poderia pedir resposta em sussurro.
"O cálice será descoberto",
Darvith acrescentou, "e a Serpente Sagrada
irá trazer a resposta do Deus para um
de nós. A cobra poderá
ser venenosa, mas se não for atacada,
ameaçada ou obstruída, e estiver
apta a ver ambos os Untados (os humildes pai
e filha, à frente de vocês) e se
nós murmurarmos as preces corretas, tudo
ficará bem".
"A Serpente Sagrada irá rastejar
até um de nós, e nós deveremos
recolocá-la diretamente no cálice.
Tudo deverá ser bem seguro".
Muitos taverneiros estão familiarizados
com os Raldemarr e sua taça mágica
- e se eles não ouviram falar de grandes
resultados vindo deles, eles raramente ouviram
falar que tenham machucado alguém. Sendo
assim, a cobra deslizante não assusta
os donos de taverna e o espetáculo é
sempre bem vindo. E Darvith não tem nada
do ar desesperado dos charlatões dos
festivais - se ninguém se mexer e formular
uma pergunta, ele dá de ombros, ora para
o cálice e pede cerveja para si mesmo
e para sua filha. Entretanto o cálice
permanece exposto, reluzente, até que
ele parta - e é raro uma multidão
de taverna em que não haja ninguém
disposto a depositar uma moeda de cobre por
uma Resposta Sagrada (mesmo que por brincadeira).
E assim começa. É permitido ao
questionador inspecionar o interior vazio do
cálice antes que a tampa seja colocada.
A moeda cai pela fenda sem que haja o ruído
metálico, os Raldemarr oram uma de suas
ininteligíveis preces murmurantes - e
uma brilhante cobra ergue-se do bojo da taça,
abrindo bem as suas mandíbulas para sibilar!
Então ela desce do cálice até
a tampa, a circula e desliza para um dos Raldemarr,
escalando-o até morder-lhe o toráx.
Tremendo e suspirando em óbvia dor, o
Raldemarr mordido ternamente balança
a Serpente, murmurando graças e uma prece
ao deus. Depois passam a cobra para o parceiro
que não foi mordido para que gentilmente
recoloque-a no cálice (que é recoberto
até que a próxima questão
seja feita, para que a Serpente não desapareça
de novo até "a manhã seguinte").
É o Untado mordido que entrega a Resposta
Sagrada ao questionador, às vezes com
o sangue do ferimento feito pela serpente ainda
gotejando.
Muito impressionante - e completamente falso.
Darvith e Taleene fazem muito com as moedas
que conseguem: compram comida, bebida, pagam
para acompanharem caravanas, alugam quartos,
o que ospermite vender suas miúdezas
somente por preços bons e nunca ficarem
desesperados.
A tampa-domo do cálice é oca,
com um compartimento raso acima, preenchido
com uma seiva grudenta que prende as moedas
(e é por isso que elas não aparecem
quando a tampa é levantada; quando um
dos Raldemarr aquece a tampa mais tarde, a seiva
torna-se líquida e libera as moedas).
É assim que as oferendas vêm e
"somem".
A grande câmara abaixo da tampa (que é
ricamente entalhada, e achatada em seu fundo
e não côncava) tem um "piso"
falso (acionado por um dos pequenos botões,
aparentemente ornamentais, que ficam em suas
bordas; as linhas de entalhes escondem a presença
dos botões) que libertam a serpente escondida
na câmara dentro do interior do cálice.
Os Raldemarr retiram regularmente o veneno de
sua cobra treinada, e a família também
possui imunidade ao seu veneno (bem como a dois
outros tipos de cobras). Ambos possuem muitos
conhecimentos sobre histórias de tesouros
enterrados e perdidos, e simplesmente inventam
as Respostas Sagradas.
Um nobre de Águas Profundas para o qual
o cálice foi construído, o abandonou
quando seus segredos ficaram amplamente conhecidos
em Scornubel (lar do ferreiro que o criou, já
há muito tempo morto). Muito da reputação
do cálice deve-se aos rumores diligentemente
espalhados por Darvith por duas décadas.
Ele começou a trabalhar em sua "peça"
com sua esposa, mas ela se aposentou para criar
cobras quando sua saúde e aparência
começaram a se deteriorar, e a filha
mais velha de Darvith tomou o seu lugar.
E assim termina a história do Cálice
das Serpentes.

Sobre o Autor
Ed Greenwood é o homem que lançou os Reinos
Esquecidos em um mundo que não os esperava.
Ele trabalha em bibliotecas, escreve fantasia,
ficção científica, terror, mistério e até estórias
de romance (às vezes coloca tudo isto em um
mesmo livro), mas está ainda mais feliz escrevendo
Conhecimento dos Reinos, Conhecimento dos Reinos
e mais Conhecimento dos Reinos. Ainda existem
alguns quartos em sua casa com espaço para empilhar
seus escritos.
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